terça-feira, 29 de dezembro de 2009

O Ano de 2010.



O ano de 2010, segundo o cultura Fon, é um ano de regência do vodún Sakpatá, o que nos alerta para sermos mais cautelosos quanto a saúde pública. É um ano que traz novos problemas, mas também resoluções para os já então existentes e de forma global, as vacinações em massa não serão utopia, assim como as mutações virais que de certo serão descobertas e a busca por novos meios de se erradicar epidemias e pandemias.
Será um ano nada fácil para as nações e ocorrerão problemas principalmente para a agricultura devido ao agravamento de problemas climáticos no mundo.
O primeiro dia deste ano de 2010 é desaconselhável para se começar algo que se quer que dê certo e vá avante, é aconselhável esperar passar... Feliz Ano Novo a Todos!

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Agbé Vodún.

Corais, valiosos símbolos de Agbé.

Na época em que o rei Agbé (Agbê) estava guerreando contra os gens de Agome-séva, conheceu uma mulher chamada Aveu (originária de Avé) que tinha trazido da região do Tado uma serpente tida como sagrada e era adorada pelo povo gen de Houla sob o nome de Ahuanba (O Chicote da Guerra) e lhe construiu um templo na região do Grande Popo dentre o povo gen que habitava Houla. Agbé quis saber da mulher qual a importância da adoração e dos poderes da serpente, e um deles, era o de conferir poder nas guerras e invencibilidade. Agbé perguntou a Aveu o que ele teria que fazer para vencer a guerra que tinha contra os gen de Agome-séva, ela lhe disse que teria que ter a serpente e cultuá-la. Não deu outra... o rei resolveu desposar Aveu, e assim o fez. Agora estava na posse da serpente e prestando culto.
Aconteceu, porém, que fora apanhado de surpresa pelas tropas inimigas que o levaram preso bem como toda sua família, os espancaram e afogaram todos nas águas do mar.
Dessa época para cá, Agbé e sua família passaram a ser reverenciados como voduns do mar pelo povo gen de Houla, o qual passou a prestar mais um culto, o culto do mar ao vodún Agbé e sua família do mar. Por isso é costume dizer que “O mar pertence a Dangbé”, pois o culto de Agbé principia com este povo que anteriomente só prestava culto a Dangbé denominado por eles como “O Chicote da Guerra”.
Os Agbodjevi daquela região uniram estes aspectos religiosos e instituiram o primeiro culto de Dangbé vinculado ao culto do mar com sacerdócio, instituindo sacerdotes dentre os seus, por esta razão os seus sacerdotes são denominados "Dènon" (Sacerdote Principiador), já em outras regiões e por outros clãs o sacerdote do culto do mar ficou conhecido por Hunnon.
Os símbolos de Agbé são conchas marinhas diversas incluindo búzios; a estrela do mar; e os corais, sempre presentes nos fios de conta que portam os seus adeptos.
Possivelmente com o passar do tempo, o culto do tovodun Agbé fundiu-se com Xù (O Oceano) da cosmogonia Fon, dando ânima ao personagem habitat concebido em um dos partos da deusa Máwu.
Já na diáspora, principalmente no Brasil, o culto de Agbé, bem como o culto de outras divindades do mar, sofreu uma grande influência do culto do òrisà Iyémöjà (Yemanjá na crença nagô), sendo que costumeiramente ouvimos a denominação Agbemanjá em terreiros de Tambor de Mina no Brasil, uma hibridização e/ou aculturação, talvez não só de palavras, mas de cultos.


O vodun Agbé  (Agbé Ta Ayó- Abetaió no Hunkpame Dahome - Agbé cabeça de Oyó, porque os reis do Tado continuavam a serem coroados em Oyó, sua origem ) no Haiti onde se denomina Agwe Tawoyo, Agwe é nome oriundo da cidade Agoué (Agbé).

domingo, 6 de dezembro de 2009

Mina Jeje

A Casa Grande das Minas Jeje, situada à Rua São Pantaleão em São Luis, Maranhão. Foto de Adomair em http://casadasminas.blogspot.com/


Os voduns cultuados na Casa das Minas são em sua maioria oriundos do povo Gen do sul do Benin, estes voduns estão sob a égide de Toy Zomadonu, para melhor conhecermos estes voduns transcrevemos o texto abaixo que é escrito de forma abrasileirada, o que nos facilita foneticamente, que ilustra bem o panteón Mina Jeje do Brasil:



"O panteão da Casa das Minas"

"Embora a Casa das Minas não tenha originado outras casas de culto, sua estrutura e panteão tem sido um modelo para outras casas.
Os voduns, deuses do povo fon ou jeje são forças da natureza e antepassados humanos divinizados. Os voduns cultuados na Casa das Minas estão agrupados nas famílias de Davice, Dambirá, Savaluno e Queviossô (Ferretti, 1989, 1996).
Alguns voduns jovens chamados toqüéns ou toqüenos cumprem a função de guias, mensageiros, ajudantes dos outros voduns. São eles que "vêm" na frente e chamam os outros. Têm cerca de quinze anos de idade, podendo ser masculinos ou femininos, pertencendo a maioria à família de Davice. Nos clãs de Quevioçô e Dambirá são os voduns mais jovens que desempenham esse papel.
Além dos voduns, fazem parte do panteão da Casa das Minas as tobóssis, divindades infantis femininas, consideradas filhas dos voduns, recebidas pelas dançantes com iniciação plena, as chamadas vodúnsi-gonjaí. As princesas meninas não vêm mais na Casa das Minas. Com a morte das últimas vodúnsi-gonjaí, parte do processo de iniciação se perdeu, de modo que as dançantes remanescentes não tiveram iniciação no grau de gonjaí, de senioridade. E as tobóssis não vieram mais na Casa das Minas. Diferentemente dos voduns, que podem manifestar-se em diferentes adeptos, a tobóssi, na Casa das Minas, é considerada entidade única, exclusiva de sua vodúnsi-gonjaí, e que desaparece com a morte da dançante que a recebia, não se incorporando depois em mais ninguém.
Os voduns e suas famílias


Conforme estudos exaustivos de Sérgio Ferretti já citados, assim se configura o panteão dos voduns na Casa das Minas, família por família:
A Família de Davice reúne os voduns da família real do Abomey, no antigo Daomé, atual Benim, e é composta dos seguintes voduns:
Nochê Naê, Mãe Naê - a vodum mais velha e ancestral mítica do clã.
Zomadônu - o dono da Casa das Minas e chefe de uma das linhagens da família de Davice. Rei e pai dos toqüéns Toçá e Tocé (gêmeos), Jagoboroçu (Boçu) e Apoji. Zomadônu é filho de Acoicinacaba.
Acoicinacaba (Coicinacaba) - pai de Zomadônu e filho de Dadarrô.
Dadarrô - chefe da primeira linhagem da família; vodum mais velho da família de Davice. Casado com Naedona e pai de Acoicinacaba, portanto, avô de Zomadônu. É pai de Sepazim, Doçu, Bedigá, Nanim e Apojevó. Representa o governo e é protetor dos homens de dinheiro.
Naedona (Naiadona ou Naegongom) - esposa de Dadarrô e mãe de Sepazim, Doçu, Bedigá, Nanim e Apojevó.
Arronoviçavá - irmão de Naedona, é cambinda (mas considerado jeje por outras casas).
Sepazim - princesa casada com Daco-Donu, com quem teve um filho chamado Tói Daco, que é toqüém.
Daco-Donu - marido de Sepazim, pai de Daco.
Daco - filho de Sepazim e Daco-Donu. Toqüém.
Doçu (Doçu-Agajá, Maçon, Huntó ou Bogueçá) - jovem cavaleiro, boêmio, poeta, compositor e tocador. Pai dos três toqüéns Doçupé, Nochê Decé e Nochê Acuevi.
Doçupé - filho de Doçu. Toqüém.
Nochê Decé - filha de Doçu. Toqüém.
Nochê Acuevi - filha de Doçu. Toqüém.
Bedigá - também cavaleiro como o irmão Doçu. Aceitou a coroa do pai Dadarrô que Doçu tinha recusado. Protetor dos governantes, advogados e juízes.
Apojevó - filho mais novo de Dadarrô. Toqüém.
Nochê Nanim (Ananim) - filha adotiva de Dadarrô, criou Daco (neto de Dadarrô) e Apojevó (seu irmão mais novo).
Família de Savaluno. É uma família de voduns amigos da família de Davice. Não são jeje e são hóspedes na Casa das Minas.
Topa - um vodum solitário, o qual tem mais dois irmãos, Agongono e Zacá.
Zacá (Azacá) - vodum caçador.
Agongono - vodum que se relaciona com os astros; amigo de Zomadônu e pai de Jotim.
Jotim - filho de Agongono. Toqüém.
Família de Dambirá. Reúne os voduns da terra, ligados às doenças e às curas.
Acóssi Sapatá (Acóssi, Acossapatá ou Odan) - curador e cientista, conhece o remédio para todas as doenças. Ficou doente também por tratar os enfermos. Pai de Lepom, Poliboji, Borutoi, Bogono, Alogué, Boça, Boçucó e dos gêmeos Roeju e Aboju.
Azile - irmão de Acóssi. Também é doente.
Azonce (Azonço, Agonço ou Dambirá-Agonço) - irmão de Acóssi e Azile, o único que não é doente. É velho e é nagô. Pai de Euá.
Euá - filha de Azonce, também é nagô.
Lepom - filho mais velho de Acóssi. Vodum velho.
Poliboji - também vodum velho.
Borutoi (Borotoe ou Abatotoe) - vodum velho. Usa bengala.
Bogono (Bogon ou Bagolo) - diz-se que se transforma em sapo.
Alogué - diz-se que é aleijado.
Boça (Boçalabê) - mocinha alegre, está sempre com o irmão Boçucó. Toqüém.
Boçucó- outro dos irmãos mais novos. Toqüém.
Roeju e Aboju - irmãos gêmeos. Ambos toqüéns.

Família de Quevioçô. É família de voduns considerados nagôs, embora não sejam orixás (entre eles, apenas Nanã é cultuada nos candomblés de orixá, tendo sido incorporada ao panteão iorubá desde a África, assim como seus filhos Omulu e Oxumarê). Quase todos são mudos para evitar que revelem os segredos dos nagôs ao pessoal da Casa das Minas, onde são hóspedes de Zomadônu.
Nanã (Nanã Biocã, Nanã Burucu, Nanã Borocô ou Nanã Borotoi) - diz-se que é de Davice mas auxilia Quevioçô. É a nagô mais velha, a que trouxe os outros.
Naité (Anaité ou Deguesina) - mulher velha que representa a lua.
Vó Missã é a velha que resolve tudo entre os nagôs.
Nochê Sobô (Sobô Babadi) - considerada mãe de todos os voduns de Quevioçô (Badé, Lissá, Loco, Ajanutoi, Averequete e Abé). Representa o raio e o trovão.
Badé (Nenem Quevioçô) - representa o corisco. Equivale a Xangô entre os nagôs. É mudo e se comunica por sinais.
Lissá - vodum dos astros. Representa o sol. É vadio e anda muito. Também é mudo.
Loco - representa o vento e a tempestade. Também é mudo.
Ajanutoi - é surdo-mudo e não gosta de crianças.
Abé - vodum dos astros, como Loco. Representa o cometa, uma estrela caída nas águas do mar. Vodum jovem e mulher. Uma dos poucos do clã que falam. É toqüém. Corresponde ao orixá Iemanjá dos nagôs.
Averequete (Verequete) - Também fala e é toqüém.
Há dois voduns amigos da família de Quevioçô que tomam conta dos filhos de Dambirá. São eles:
Ajautó de Aladá (Aladanu) - amigo da casa. Pai de Avrejó. É velho e usa bengala. Ajuda Acóssi, que é doente. Mora com o povo de Quevioçô. É rei nagô, protetor dos advogados.
Avrejó - Filho de Ajautó. Toqüém.
Não se pode esquecer de Avievodum, Deus Supremo, a quem os voduns estão subordinados. Como Olodumare ou Olorum, Deus Supremo dos iorubás, Avievodum está distante e inalcançável, sendo pouco lembrado pelos devotos e não merecendo culto específico.
Legba ou Legbara, figura comum nas religiões afro-brasileiras, conhecido em outras "nações" pelo nome de Exu, é a divindade que assume a função de trickster ou trapaceiro. Não tem culto organizado na Casa das Minas, onde é identificado com Satanás, o Mal. Não é aceito como mensageiro, mesmo porque quem realiza essa função são os toqüéns. Apesar de não ter culto organizado, verificam-se uns poucos gestos rituais ligados a Legba, como por exemplo, certos cânticos pedindo para que Legba se afaste, que são cantados ao início de todo tambor. Ocupa, entretanto, lugar importante em outros terreiros influentes de São Luís.
Há outros voduns do tambor-de-mina que não aparecem nesta classificação por não serem referidos na Casa das Minas, mas que são cultuados em outros terreiros, como Boço Jara, Xadantã e Vondereji presentes na Casa de Nagô."


(In: Nas Pegadas dos Voduns. Um terreiro de tambor-de-mina em São Paulo.
De: Reginaldo Prandi)


Calendário Festivo:

JANEIRO

-Reis/Doçu - 5 a 7
-Queimação das palhinhas - 19
-São Sebastião/Acossi - 20 a 21

FEVEREIRO/MARÇO

-Quarta-feira de cinzas/ Arramban
-Bancada
-Sábado de Aleluia - Reinício das atividades

MAIO/JUNHO

-Festa do Divino Espírito Santo
-São João/ Sinha Velha/Naê 23 a 25/06
-São Pedro - 28 a 30/06

DEZEMBRO

-Santa Barbara - 3 a 5
-Natal/Nochê Naê 24 a 26

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Fá Vodún, Um Inspirador da Literatura Contemporânea.



O Fá e os recursos literários: Ontem e Hoje
(Mahougnon Kakpo)

“O poeta, nem mesmo por um dia,
não pensou em usar o espírito de seu povo
como tábua de escrita?”
(Jean-Baptiste Tati Loutard)

A origem da religião Vodum e o sistema de adivinhação Fá, marcaram a produção literária e artística.
O homem, como seu cérebro tem uma história. Uma vida que não é necessariamente terra. É uma afirmação da transcendência que é a herança psicológica comum da humanidade. Os símbolos transmitidos por este legado em ressurgir as ações do homem de hoje, na criação de forma literária e artística de uma viagem iniciática.
O Fá, é um sistema de adivinhação praticado na África Ocidental, que é a origem da religião Vodum, inspirou a criação literária e artística de muitos do Benin, incluindo "Palavras Esotéricas" poema longo de quinze páginas em “Nova Respiração” de Nouréini Tidjani Serpos.
Sem fazer referência explícita a este sistema de adivinhação, o poeta utiliza não apenas o padrão temporal, mas também os nomes de divindades, que dá ao poema um significado filosófico, religioso e ritual em particular. Este é um homem onde a ontologia lhe é frontal, um caminho que escolheu, não rastreado, mas um caminho que permeia a sua travessia do rio, ou seja, disse da sua existência terrena em busca do seu espaço interior.
De acordo com o Fá, na verdade, este mundo é uma representação em miniatura do que aconteceu no tempo mítico. O homem não nasce ex-nihilo. Ele vem de uma vida anterior antes de descer para o seio de sua mãe. Esta é a vida passada, é quando o destino de todo homem foi concebido. Tudo o que vai fazer na terra será um desempenho de seu destino, mesmo antes de nascer, antes da grande descida, ele já fez sua escolha:

“Como os meus,
Eu visitei Ajalla que aguardava...
Deixou-me escolher um espaço de meus pensamentos.
O tempo não existia e Ajalla, o grande oleiro,
fez-me livre. ”

Para escolher o seu espaço interior, a alma do indivíduo que ainda não tenha acontecido sofre o batismo de Ajalla. Na mitologia nagô, iorubá e Gun, “Ajalla” ou “SE” é o equivalente ao destino ou a fatalidade, e é um dos deuses míticos que formaram o indivíduo dando-lhe um papel a desempenhar na terra antes mesmo de chegar à fase fetal. O termo Ajalla é iorubá significa “Oleiro do Orun”, isto é, do céu. Mas Ajalla, deus do destino, é um grande democrata, e como ele é um grande oleiro: Um criador. Pois, consciente da importância do seu dever, ele dá liberdade para o indivíduo de escolher seu próprio destino:

“(...)
Sob a grande árvore do destino
Ele disse-me para selecionar
meu tá, meu chi, meu ori.
(...)
Fomos milhões
Para fazer a escolha
Antes da grande descida
Rumo a matriz das nossas mães.”

A escolha de tá, chi, ori, é muito crucial para a existência terrena do indivíduo. Esta escolha depende do seu poder ou a sua vulnerabilidade. Na verdade, tá, chi e ori são, respectivamente, sob gun, ibô e iorubá e significa, literalmente “cabeça”, ou seja, a estrela do destino, o destino ou o espírito. Em "Palavras esotéricas", o evento através das maravilhosas fontes culturais disse a natureza endógena do tempo que o poeta nos apresenta. Este é o momento maravilhoso quando Ajalla cautelosamente leva o indivíduo a horizontes sem fim do seu espaço interior.
Em uma perspectiva antropológica, pode-se notar que estes versos revelam uma seqüência de imagens que estão além da imanência humana para tornarem-se incorporadas na arquetipologia geral. E, portanto, toda a poesia torna-se um espaço paleopoético, da caverna à cidade através da floresta e do cerrado, é o termo que segue a imaginação poética. Esta mesma rota que o poema revela Tidjani-Serpos.
O percurso vai da água para a terra, e é uma viagem de iniciação, onde os deuses são mistagogos. As águas e florestas são locais onde as divindades residem em várias jurisdições. O homem, antes de ser verdadeiramente humano, deve ganhar a bênção e o poder dos deuses, depois de ter sido submetido com êxito a julgamentos severos.
Portanto, o poema de Tidjani Serpos aqui tem um olhar alegórico e padrão, ele descreve e também se reflete nos gêneros da literatura oral. Na mãe devoradora, Denise Paulme mostra que nos contos Africanos, a falta, o que coloca as pessoas no caminho da busca de seu espaço interior, é preenchida somente após uma jornada de iniciação.
Assim, "Palavras Esotéricas" está profundamente enraizada no gun e na cultura iorubá que nutre o poeta. Para Ajalla está na tradição iorubá, um orixá ou seja, um ser sobrenatural antropomórfico que tem o poder de criar homens. Ele principia no tempo, os homens hoje reproduzem ritualisticamente. O ritual é a passagem para o tempo original. Para o ritual, que revive as letras de ontem, ele repete o gesto arquetípico dos orixás. O poema torna-se uma discussão em que o poeta mente quando a montante e a jusante da Lagoa Existencial, parte da consciência de seu povo.
Nas culturas Kamit (negro-africana), há uma ponte entre o sensível e o mundo supra-sensível, ou metafísico. O mundo moderno é a imagem do mundo mítico. As dores e calamidades são apenas um reflexo do que aconteceu no mundo mítico do tempo original. Esta realmente é a dualidade existencial que se reflectem nas culturas negro-africanas.
Na verdade, só o Profeta ou “Bokonon” do Fá detém a ciência do mundo transcendental. Com esse conhecimento, ele pode consultar os oráculos. O Fá é a ponte que liga as origens do tempo e do tempo profano. Quando um indivíduo está experimentando, ele tem um grande projeto a realizar, quando um surto é acionado ou uma desgraça bate à porta, ou quando um homem deseja conhecer o seu destino, que ele tinha livremente escolhido pelo submetidos a testes de Ajalla, ele usa o Fá Depois de consultar oráculos, o Bokonon substitui o cargo de consultor para o sobrenatural no tempo original e transpõe para o cotidiano.
O homem está em busca de seu espaço interior, a liberdade ou a felicidade na terra. Apenas o chi, tá ou ori pode revelá-lo. O Bokonon interpreta a situação. O ritual instituído pelas cerimônias propiciatórias, permite a ele se reconectar com as origens do tempo ou repetir o gesto arquetípico. Isto sugere que, na poesia negro-africana de língua francesa, a persistência do tempo original, que é um fator de movimento e de incerteza, mostra uma correlação entre o passado e o presente no centro do qual está o poeta em si.

Por: Mahougnon Kakpo.
In: Africultures - N º 31

sábado, 21 de novembro de 2009

O Terreiro do Pinho.



O Terreiro do Pinho

A casa está desativada no momento, embora tenha passado por algumas reformas, enlutada e aguardando o processo sucessório, é Jeje Dahomé e os cânticos são em ewegbè e ajagbè. Há muitos candomblés descendentes do Pinho no Recôncavo e segundo a oralidade dos terreiros descendentes, a família de Modubi, e quiçá o extinto Kpo Zehen da antiga área do Bogum na capital baiana, teriam origem lá também.

Modubi, talvez, com o tempo tenha adequado sua prática e se diferenciado, ainda no Bitedô, para Mahi, deixando de lado o sacrifício do carneiro de Hevioso que é o rei de Dahomé, e concebendo como rei a Sogbo Adan, bem Mahi, dentre outras coisas.

No Benin e no Togo, como no Terreiro do Pinho na Bahia, pode se virar com quantos voduns a vodunsi carregar, mas inicia-se somente para um vodún, assim também é no Haiti.

Kpɔ̀sú (O homem-pantera, Kposú) é um vòdún velho, o tratamento vovô é uma forma de carinho para com ele, na relidade ele é filho de Kpɔ̀(Pó), a pantera, tida no Togo como uma das manifestações de Khebioso (Hevioso) dentro da floresta. Ele nasceu meio homem e meio animal e com forte instinto da parte felina, tanto que sua esposa teve que consultar o oráculo de Fá com um bokonon para ver o que podia fazer para diminuir a agressividade dele para que pudesse governar com mais equilíbrio, conta o dù Letegbe, e lhe foi dito que fizesse uma corôa de penas vermelhas de papagaio e adornasse a cabeça de Kpɔ̀sú dizendo certas palavras, e assim ela o fez, afastando dele a fúria da pantera, e pode bem governar seu reino. Esta coroa é conhecida como a coroa de Da Daho, o pai do Dahomé, sinônimo de Kpɔ̀sú que é um termo empregado em substituição ao de filho bastardo (Agasú), e de matador de Aja (Ajahuto), ela adorna até hoje as cabeças dos seguidores do culto de Hevioso na África do Oeste.

Roger Bastide em O Candomblé da Bahia: Rito Nagô, menciona que "Da Daho" tem como um dos seus voduns tokwen (toquem) que criou, o vodum JAGOROBOSSU, contrariando alguns autores que apresentam o surgimento deste vodum bem posteriormente, ele talvez sem saber confirma a antiguidade do Terreiro do Pinho, cujo vodum chefe espiritual da casa é JAGOROBOSSU e cuja placa de inauguração data do século XVII, oficialmente, embora as tradições de vodum no local tenham surgido por volta de 1568 com a formação do quilombo.
Era hábito dos fons, ajas, e ewes, que o local de culto vodum fosse construído pelo rei local e por ele fosse empossado o vodunnon, esse hábito ainda vigora na África.
É “Na Furê Najé Eshá” que funda a casa, obviamente de família real africana, segundo registros orais. O mais interessante é que a comunidade denominada Najé envolve o local.

Muitas casas tradicionais de Jeje descendem do Terreiro do Pinho, onde a formação do ëgbë não atingiu muito.
Uma destas características é a de não se "raspar" para iniciar, pois o ato de se raspar é uma influência dos nagôs, mesmo no Benin há esta influência, inclusive em Savalu, onde o anagonú (iniciado no Culto de Sakpatá) tem a cabeça raspada no processo de iniciação. As casas descendentes raspam porquê sofreram a influência da formação do ëgbë, ou mesmo porquê envolveram ritos mahinos, minas, ou mesmo savalunos que já tinham forte influência nagô. Mas o Pinho não tem influência nagô? Claro que sim, mas de outras formas. O próprio culto de voduns no Rio Grande do Sul tem fortíssimos traços da cultura do Jeje Dahomé do Terreiro o Pinho.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Cultura Vodún PAPOINFORMAL



Nosso blog está oferecendo o Curso de Cultura Vodún, online, para comemorar seu primeiro aniversário, e para tal conta com a sua equipe de colaboradores sob a liderança de Ifabimi.

A- Modalidade:

*Livre;
*À distância;
*Religioso.
*Vagas Ilimitadas.

Curso livre, religioso, à distância via internet, atendendo a alunos de vários países interessados em candomblé Jeje e Cultura Vodún, dividido em 10 (dez) módulos que são enviados via e-mail, e arquivos via e-mail, contendo folhas de leitura, fotos, links de leitura e ferramentas de trabalho, como no caso do tradutor online.
À cada módulo recebido, o aluno deverá estudar, e como prova disto, ao final, deverá preencher uma folha com respostas e devolvê-la pelo e-mail.

B- Exigência:

O aluno deve ser religiosamente oriundo de matriz Jeje do candomblé ou de tradição Fá com origem em Gana, Togo, Camarões ou Benin e possuir mais de 3 anos de iniciado ou confirmado.

C- Conteúdo em Módulos:

*Vodún - significado, origens e dados históricos;
*Linguística Aplicada no Culto Vodún;
*As festividades, preceitos e interditos;
*A iniciação na África e na diáspora;
*Vodún na diáspora;
*Métodos advinhatórios;
*Cânticos, louvores, rezas e saudações;
*A tradição ewe e a tradição Fon na África e no Brasil;
*Os candomblés de matriz Jeje no Brasil, fundação, organização e voduns.
*Reis e antepassados históricos e lendários do Dahomey.

D- Ferramentas e Material de Apoio:

*Vídeos diversos;
*Tradutores Online;
*Links da web de música e leitura (e lógico do blog também);
*Arquivos de fotos pessoais e da web;
*Google talk para tirar dúvidas;
*Gmail.

Os interessados em fazer o curso e receber para tal maiores informações, deverão fazer contato pelo e-mail:

aklonbe@gmail.com

O Jardim de Inhames de Máwu.

O inhame (tè) é muito utilizado na culinária do Benin pilado ou frito. (Foto: Cotonou).

O Jardim de Inhames de Máwu
(Lenda Fon)

Inicialmente, Legba morava com a mãe Máwu, e executava suas ordens cuidadosamente e nada fazia sem o seu consentimento. Se alguém praticasse um ato lesivo, era punido. Se fizesse uma boa ação, recebia benefícios e apreços. Tudo o que via e ouvia contava à mãe que se ocupava com a criação do universo e vinha sempre à terra.
Os seres humanos, então, começaram a repudiar Legba...

Máwu tinha um jardim onde plantava inhames.
Legba disse à ela que os ladrões queriam levá-los.
Máwu, portanto, reuniu seus súditos, e advertiu:
"O primeiro que se atrever a tocar nos meus inhames morrerá!”
Na noite seguinte, começou a chover. Legba escorregou na casa de Máwu com suas sandálias, pois chovia muito naquele dia, e não pode vigiar, então, ladrões roubaram todo o inhame...

Na manhã seguinte, quando Máwu observou o ocorrido, Legba aconselhou a trazer todos os súditos para determinar quem possuía as pegadas tão claramente visíveis no solo úmido. Cada súdito colocou os pés nas marcas para comparar, mas nenhum tinha o tamanho correto. E Legba, que muito ria do povo que media os pés nas pegadas, falou:

"Será que Máwu esteve em seu jardim e se esqueceu?"
Máwu, indignada, respondeu:
"Eu? Legba, como você ousa dizer tais coisas? Mas gostaria de me submeter ao teste".

É claro que eram pegadas de Máwu... (brincadeirinha de travesso, ou Máwu tinha se esquecido que foi lá e colheu os inhames?)

"Bem, aqui está um proprietário que rouba seu próprio inhame!" (Disse ele à mãe)

Magoada, Máwu, então, resolveu que deixaria a terra para viver no céu. No futuro, Legba deveria apresentar-se lá à cada dia, para lhe relatar os eventos que ocorreram na Terra durante todo o dia. E daí Máwu permanece até hoje no céu.

Com essa história Legba provou que era amado por sua mãe e zombou daqueles que não lhe tinham apreço, embora punido com a distância de sua mãe.

domingo, 8 de novembro de 2009

A Presença Adja no Brasil.

Comércio de Escravos. Foto em http://www.vkblog.nl/



"DO TOGO AO BRASIL: A ROTA DOS ESCRAVOS"

Por Amoussou Kpotogbé Gael

(Togo)

INTRODUÇÃO

"A partir do século XVI, ao longo do tempo e cada vez mais, fatores externos vão surgir na história do Togo, e alterar profundamente as estruturas sociais e políticas. Ao sul o desenvolvimento do comércio costeiro, e principalmente: os escravos.

A história de eventos que afetaram o continente africano e o contato entre africanos e europeus na costa ocidental da África no século XV, foi o ponto de partida para as relações multidimensionais.

Uma conseqüência desse contato foi o comércio de escravos.

Os escravos antes de serem enviados para o novo mundo, seguiam rotas específicas.



ORIGEM DOS ESCRAVOS

O estudo étnico dos negros que os anos de tráfico transplantou ao Novo Mundo lançou uma série de termos familiares na Costa dos Escravos. Os escravos vendidos na costa do Togo são: ajá, uatchi, tchamba, kotokoli, kabyê.

Parece que o tráfico era regularmente alimentado por cativos do interior. As sociedades costeiras não venderam seus membros, exceto por terem cometido certos crimes. Houve também a captura de homens livres, na praia ou nas ruas à noite.

As regiões que serviam como locais de abastecimento estão localizados pelo menos cem milhas da costa. Constatamos que 90% dos escravos exportados da região foram ajás, capturados numa distância inferior a 200 quilômetros da costa. Os ajás representam o principal grupo exportado.

Na realidade, esse número de escravos está arredondado para cima incluindo grupos da cavalaria semassi (kotokoli) e os bariba.



PRINCIPAIS PORTOS

De todas as empresas negreiras que operavam no Golfo do Benim, apenas empresas dinamarquesas construiram sua fortuna com uma presença constante em nossa região. As maiores empresas negreiras tinham, de fato, a sua sede na Costa do Ouro e não tinham sucursais (pousadas, fortalezas e feitorias na Glehuê, ou fortes) na Costa dos Escravos. Apenas as empresas da Dinamarca, devido à feroz concorrência prevalecente na Costa do Ouro, fez a parte mais a leste de Acra para Aneho, principal campo de atividade.

Além disso, pérolas, panos de Aladá e outros bens de pequeno valor eram negociados na Costa dos Escravos até o século XVII e não era susceptível de atrair essas empresas e que tinham sido tomadas, de repente, pela importância do comércio de escravos no final do século XVII; a nossa região estaria certamente mantida fora do negócio principal por muito tempo.

Levando apoio nesta fortaleza, os dinamarqueses lançaram no início do século XVIII, uma grande ofensiva para expandirem-se ao leste, em direção à região de Volta, ainda relativamente pouco utilizada por outros operadores europeus. Eles vieram pacientemente ao longo do século, para construir fortes "Fredensborg", Ningo (1737 ); "Kongensten", Adam (1783); e "Prinsensten" em Chum (1784); e um número de postos comerciais fortificados, como em "Augustaborg", Teshi; "Proevesten", no oeste de Osu Issegraae e Kpong. Estas instalações foram concluídas, e até poços de Ai (1657), Aneho (1772) e de Kpon Aflao em 1784, graças ao dinamismo do governador Kioege.

No final do século, os dinamarqueses tiveram uma série de assentamentos fortificados em sua maior parte, que abrange o trecho do litoral que se estende desde Acra a Aneho, em que seu poder de mercado é inquestionável, eles tinham um monopólio quase absoluto. (História do Togo)

Ao abordar a Costa dos Escravos, quatro portas foram utilizadas como ponto de venda de escravos no Togo. São elas: Agoé, Aneho (Pequeno Popo), Gumu-Kope (Gunkope) e Agbodrafo (Abre).

Na verdade, Agbodrafo foi erguido no local de uma antiga instituição edificada na década de 1680 por refugiados Gans. Esta localidade, chamada Abre pelos Portugueses, era, então, freqüentada por traficantes holandeses, e sobretudo ingleses.

Aneho, "Pequeno Popo": Os europeus situados a quinze milhas a leste de Agbodrafo, frequentavam desde a segunda metade do século XVII.



ROTA DOS ESCRAVOS

O tráfico de escravos transplantados para o Novo Mundo era baseado em rotas específicas. Estas rotas de tráfico foram realmente bem organizadas e lentamente durante o século XVIII com uma rede de mercados e lojas espalhadas por toda a região em uma longa seqüência.

Uma das mais famosas rotas do tráfico de escravos foi uma que drenou os cativos do Norte (mercado Tchamba) ao longo das seguintes rotas:

* De Tchamba os escravos iam até a costa ao longo do vale do rio até Kpessi no Mono. Depois de uma pausa para Kpessi é que se recuperava a estrada de Atakpame. Eles iam a pé na maioria dos casos, sendo 20 a 25 km por dia.

* A partir da cidade de Atakpame, eles pegavam a estrada para Tadô. Tadô Na verdade era uma cidade cercada por importantes foruns, cuja construção havia começado no reinado Aja Kponjin e continuada por seus sucessores.

* Depois da cidade de Tadô, os escravos continuaram a sua marcha em direção à outra cidade maior chamada Sagada. Sagada era um mercado ajá muito famoso.

* Neste mercado, eles estavam rumando sul - leste para chegar em Togodô antes de chegar às margens do rio Mono. Os escravos eram, então, carregados em canoas em direção à costa.

* Antes de chegar na costa estavam passando por Dekpo que rapidamente se transformou em um movimentado mercado conhecido por Blokossi, na atual prefeitura de Zio, no qual os comerciantes do litoral passavam a adquirir escravos. De Dekpo os escravos retornavam ao rio. Antes de embarcar de novo, eles eram lavados no rio, como sinal de purificação de sua vida passada. Após a purificação, eles eram embarcados para um dos quatro (04) portos da Costa, a saber: Aneho, Agoé, Gumu-Kopê, Agbodrafo.

* Esses escravos eram depois vendidos aos traficantes de escravos dinamarquêses, ingleses, portugueses e holandeses que os enviavam ao Brasil, onde a demanda foi forte em finais do século XVIII.

* Em resumo, temos: Tchamba ___Vale do Mono____Kpessi ____ Atakpame___ Tadô____ Sagada_____ Togodô ____ Mono____Dekpo (Blokossi) ___ Um dos 4 portos na costa do Brasil.



CONCLUSÃO

O comércio de escravos era muito praticado na costa, e ela ganhou o apelido de “Costa dos Escravos”.

Na sua operação foi necessária a organização de circuitos de câmbio adaptado e rotas específicas para os escravos.
(In: http://www.icomos-ciic.org/CIIC/pamplona/PROYECTOS_Amoussou_Kpotogbe.htm)

sábado, 31 de outubro de 2009

O Candomblé no Rio de Janeiro de 1904.

Tia Ciata (Assiata) e Tia Josefa (foto em http://www.titanproducoes.com.br)

"NO MUNDO DOS FEITIÇOS"
"OS FEITICEIROS"

"Antônio é como aqueles adolescentes africanos de que fala o escritor inglês. Os
adolescentes sabiam dos deuses católicos e dos seus próprios deuses, mas só veneravam o
uísque e o schilling. Antônio conhece muito bem N. S.ª das Dores, está familiarizado com os
orixálas da África, mas só respeita o papel-moeda e o vinho do Porto. Graças a esses dois
poderosos agentes, gozei da intimidade de Antônio, negro inteligente e vivaz; graças a Antônio,
conheci as casas das ruas de São Diogo, Barão de S. Felix, Hospício, Núncio e da América,
onde se realizam os candomblés e vivem os pais-de-santo. E rendi graças a Deus, porque não
há decerto, em toda a cidade, meio tão interessante.
Vai V.S. admirar muita coisa! - dizia Antônio a sorrir; e dizia a verdade.
Da grande quantidade de escravos africanos vindos para o Rio no tempo do Brasil colônia e
do Brasil monarquia, restam uns mil negros. São todos das pequenas nações do interior da
África, pertencem ao igesá, oié, ebá, aboum, haussá, itaqua, ou se consideram filhos dos
ibouam, ixáu dos gêge e dos cambindas. Alguns ricos mandam a descendência brasileira à
África para estudar a religião, outros deixam como dote aos filhos cruzados daqui os mistérios e
as feitiçarias. Todos, porém, falam entre si um idioma comum: - o eubá.
Antônio, que estudou em Lagos, dizia:
- O eubá para os africanos é como o inglês para os povos civilizados. Quem fala o eubá
pode atravessar a África e viver entre os pretos do Rio. Só os cambindas ignoram o eubá, mas
esses ignoram até a própria língua, que é muito difícil. Quando os cambindas falam, misturam
todas as línguas... Agora os orixás e os alufás só falam o eubá.
- Orixás, alufás? - fiz eu, admirado.
- São duas religiões inteiramente diversas. Vai ver.
Com efeito. Os negros africanos dividem-se em duas grandes crenças: os orixás e os
alufás.
Os orixás, em maior número, são os mais complicados e os mais animistas. Litólatras e
fitólatras, têm um enorme arsenal de santos, confundem os santos católicos com os seus
santos, e vivem a vida dupla, encontrando em cada pedra, em cada casco de tartaruga, em cada
erva, uma alma e um espírito. Essa espécie de politeísmo bárbaro tem divindades que se
manifestam e divindades invisíveis. Os negros guardam a idéia de um Deus absoluto como o
Deus católico: Orixa-alúm. A lista dos santos é infindável. Há o orixalá, que é o mais velho,
Axum, a mãe dágua doce, Ie-man- já, a sereia, Exu, o diabo, que anda sempre detrás da porta,
Sapanam, o Santíssimo Sacramento dos católicos, o Irocô, cuja aparição se faz na árvore
sagrada da gameleira, o Gunocô, tremendo e grande, o Ogum, S. Jorge ou o Deus da guerra, a
Dadá, a Orainha, que são invisíveis, e muitos outros, como o santo do trovão e o santo das
ervas. A juntar a essa coleção complicada, têm os negros ainda os espíritos maus e os heledás
ou anjos da guarda.
É natural que para corresponder à hierarquia celeste seja necessária uma hierarquia
eclesiástica. As criaturas vivem em poder do invisível e só quem tem estudos e preparo pode
saber o que os santos querem. Há por isso grande quantidade de autoridades religiosas. Às
vezes encontramos nas ruas negros retintos que mastigam sem cessar. São babalaôs,
matemáticos geniais, sabedores dos segredos santos e do futuro da gente; são babás que
atiram o endilogum; são babaloxás, pais-de-santos veneráveis. Nos lanhos da cara puseram o
pó da salvação e na boca têm sempre o obi, noz de cola, boa para o estômago e asseguradora
das pragas.

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Antônio, que conversava dos progressos da magia na África, disse-me um dia que era
como Renan e Shakespeare: vivia na dúvida. Isso não o impedia de acreditar nas pragas e no
trabalhão que os santos africanos dão.
- V. s. não imagina! Santo tem a festa anual, aparece de repente à pessoa em que se quer
meter e esta é obrigada logo a fazer festa; santo comparece ao juramento das Iauô e passa
fora, do Carnaval à Semana Santa; e logo quer mais festa... Só descansa mesmo de fevereiro a
abril.
- Estão veraneando.
- No carnaval os negros fazem ebó.
- Que vem a ser ebó?
- Ebó é despacho. Os santos vão todos para o campo e ficam lá descansando.
- Talvez estejam em Petrópolis.
- Não. Santo deixa a cidade pelo mato, está mesmo entre as ervas.
- Mas quais são os cargos religiosos?
- Há os babalaôs, os açoba, os aboré, grau máximo, as mães-pequenas, os ogan, as
agibonam...
A lista é como a dos santos, muito comprida, e cada um desses personagens representa
papel distinto nos sacrifícios, nos candomblés e nas feitiçarias. Antônio mostra-me os mais
notáveis, os pais-de-santo: Oluou, Eruosaim, Alamijo, Adé-Oié, os babalaôs Emídio, Oloô-teté,
que significa treme-treme, e um bando de feiticeiros: Torquato requipá ou fogo pára-chuva,
Obitaiô, Vagô, Apotijá, Veridiana, Crioula Capitão, Rosenda, Nosuanan, a célebre Chica de
Vavá, que um político economista protege...
- A Chica tem proteção política?
- Ora se tem! Mas que pensa o senhor? Há homens importantes que devem quantias
avultadas aos alufás e babalaôs que são grau 32 da Maçonaria.
Dessa gente, poucos lêem. Outrora ainda havia sábios que destrinçavam o livro sagrado e
sabiam porque Exu é mau - tudo direitinho e claro como água. Hoje a aprendizagem é feita de
ouvido. O africano egoísta pai-de-santo, ensina ao aboré, as iauô quando lhes entrega a
navalha, de modo que não só a arte perde muitas das suas fases curiosas como as histórias são
adulteradas e esquecidas.
- Também agora não é preciso saber o Saó Hauin. Negro só olhando e sabendo o nome da
pessoa pode fazer mal, diz Antônio.
Os orixás são em geral polígamos. Nessas casas das ruas centrais de uma grande cidade,
há homens que vivem rodeados de mulheres, e cada noite, como nos sertões da África, o leito
do babaloxás é ocupado por uma das esposas. Não há ciúmes, a mais velha anuncia quem a
deve substituir, e todas trabalham para a tranqüilidade do pai. Oloô-Teté, um velho que tem
noventa anos no mínimo, ainda conserva a companheira nas delícias do himeneu, e os mais
sacudidos transformam as filhas-de-santo em huris de serralhos.
Os alulás têm um rito diverso. São maometanos com um fundo de misticismo. Quase todos
dão para estudar a religião, e os próprios malandros que lhes usurpam o título sabem mais que
os orixás.
Logo depois do suma ou batismo e da circuncisão ou kola, os alufás habilitam-se à leitura
do Alcorão. A sua obrigação é o kissium, a prece. Rezam ao tomar banho, lavando a ponta dos
dedos, os pés e o nariz, rezam de manhã, rezam ao pôr-do-sol. Eu os vi, retintos, com a cara
reluzente entre as barbas brancas, fazendo o aluma gariba, quando o crescente lunar aparecia
no céu. Para essas preces, vestem o abadá, uma túnica branca de mangas perdidas, enterram
na cabeça um filá vermelho, donde pende uma faixa branca, e, à noite, o kissium continua,
sentados eles em pele de carneiro ou de tigre.
- Só os alufás ricos sentam-se em peles de tigre, diz-nos Antônio.
Essas criaturas contam à noite o rosário ou tessubá, têm o preceito de não comer carne de
porco, escrevem as orações numas taboas, as atô, com tinta feita de arroz queimado, e jejuam
como os judeus quarenta dias a fio, só tomando refeições de madrugada e ao pôr-do-sol.
Gente de cerimonial, depois do assumy, não há festa mais importante como a do ramadan,
em que trocam o saká ou presentes mútuos. Tanto a sua administração religiosa como a
judiciária estão por inteiro independentes da terra em que vivem.

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Há em várias tribos vigários gerais ou ladamos, obedecendo ao lemano, o bispo, e a parte
judiciária está a cargo dos alikaly, Juizes, sagabamo, imediatos de juizes, e assivajiú, mestre de
cerimônias.
Para ser alufá é preciso grande estudo, e esses pretos que se fingem sérios, que se casam
com gravidade, não deixam também de fazer amuré com três e quatro mulheres.
- Quando o jovem alufá termina o seu exame, os outros dançam o opasuma e conduzem o
iniciado a cavalo pelas ruas, para significar o triunfo.
- Mas essas passeatas são impossíveis aqui, brado eu.
- Não são. As cerimônias realizam-se sempre nas estações dos subúrbios, em lugares
afastados, e os alufás, vestem as suas roupas brancas e o seu gorro vermelho.
Naturalmente Antônio fez-me conhecer os alufás:
Alikali; o lemano atual, um preto de pernas tortas, morador à rua Barão de S. Félix, que
incute respeito e terror; o Chico Mina, cuja filha estuda violino, Alufapão, Ojó, Abacajebú, Ginjá,
Manê, brasileiro de nascimento, e outros muitos.
Os alufás não gostam da gente de santo a que chamam auauadó-chum; a gente de santo
despreza os bichos que não comem porco, tratando-os de malés. Mas acham-se todos
relacionados pela língua, com costumes exteriores mais ou menos idênticos e vivendo da
feitiçaria. Os orixás fazem sacrifícios, afogam os santos em sangue, dão-lhes comidas, enfeites
e azeite-de-dendê.
Os alufás, superiores, apesar da proibição da crença, usam dos aligenum, espíritos
diabólicos chamados para o bem e o mal, num livro de sortes marcado com tinta vermelha e
alguns, os maiores, como Alikali, fazem até idams ou as grandes mágicas, em que a uma
palavra cabalística a chuva deixa de cair e obis aparecem em pratos vazios.
Antes de estudar os feitiços, as práticas por que passam as iauô nas camarinhas e a
maneira dos cultos, quis ter uma impressão vaga das casas e dos homens.
Antônio levou-me primeiro à residência de um feiticeiro alufá. Pelas mesas, livros com
escrituras complicadas, ervas, coelhos, esteiras, um calamo de bambu finíssimo.
Da porta o guia gritou:
- Salamaleco.
Ninguém respondeu.
- Salamaleco!
- Maneco Lassalama!
No canto da sala, sentado numa pele de carneiro, um preto desfiava o rosário, com os olhos
fixos no alto.
- Não é possível falar agora. Ele está rezando e não quer conversar. Saímos, e logo na rua
encontramos o Xico Mina. Este veste, como qualquer de nós, ternos claros e usa suíças
cortadas rentes. Já o conhecia de o ver nos cafés concorridos, conversando com alguns
deputados. Quando nos viu, passou rápido.
- Está com medo de perguntas. Chico gosta de fingir.
Entretanto, no trajeto que fizemos do Largo da Carioca à praça da Aclamação,
encontramos, a fora um esverdeado discípulo de Alikali, Omancheo, como eles dizem, duas
mães-de-santo, um velho babalaô e dois babaloxás.
Nós íamos à casa do velho matemático Oloô-Teté.
As casas dos minas conservam a sua aparência de outrora, mas estão cheias de negros
baianos e de mulatos. São quase sempre rótulas lobregas, onde vivem com o personagem
principal cinco, seis e mais pessoas. Nas salas, móveis quebrados e sujos, esteirinhas, bancos;
por cima das mesas, terrinas, pucarinhos de água, chapéus de palha, ervas, pastas de oleado
onde se guarda o opelé; nas paredes, atabaques, vestuários esquisitos, vidros; e no quintal,
quase sempre jabotis, galinhas pretas, galos e cabritos.
Há na atmosfera um cheiro carregado de azeite-de-dendê, pimenta-da-costa e catinga. Os
pretos falam da falta de trabalho, fumando grossos cigarros de palha. Não fosse a credulidade,
a vida ser-lhes-ia difícil, porque em cada um dos seus gestos revela-se uma lombeira secular.
Alguns velhos passam a vida sentados, a dormitar.
- Está pensando! - dizem os outros.

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De repente, os pobres velhos ingênuos acordam, com um sonho mais forte nessa confusa
existência de pedras animadas e ervas com espírito.
- Xangô diz que eu tenho de fazer sacrifício!
Xangô, o deus do trovão, ordenou no sono, e o opelê, feito de cascas de tartaruga e
batizado com sangue, cai na mesa enodoada para dizer com que sacrifício se contenta Xangô.
Outros, os mais malandros, passam a existência deitados no sofá. As filhas-de-santo,
prostitutas algumas, concorrem para lhes descansar a existência, a gente que as vai procurar
dá-lhes o supérfluo. A preocupação destes é saber mais coisas, os feitiços desconhecidos, e
quando entra o que sabe todos os mistérios, ajoelham assustados e beijam-lhe a mão,
soluçando:
- Diz como se faz a cantiga e eu te dou todo o meu dinheiro!
À tarde, chegam as mulheres, e os que por acaso trabalham em alguma pedreira. Os
feiticeiros conversam de casos, criticam-se uns aos outros, falam com intimidade das figuras
mais salientes, do país, do imperador, de que quase todos têm o retrato, de Cotegipe, do barão
de Mamanguape, dos presidentes da República.
As mulheres ouvem mastigando obi e cantando melopéas sinistramente doces. Essas
melopéas são quase sempre as preces, as evocações, e repetem sem modalidade, por tempo
indeterminado, a mesma frase.
Só pelos candomblés ou sessões de grande feitiçaria, em que os babalaôs estão atentos e
os pais-de-santo trabalham dia e noite nas camarinhas ou fazendo evocações diante dos
fogareiros com o tessubá na mão, é que a vida dessa gente deixa a sua calma amolecida de
acassá com azeite-de-dendê.
Quando entramos na casa de Oloô-Teté, o matemático macróbio e sensual, uma velha
mina, que cantava sonambulicamente, parou de repente.
- Pode continuar.
Ela disse qualquer coisa de incompreensível.
- Está perguntando se o senhor lhe dá dois tostões, ensina-nos Antônio.
- Não há dúvida.
A preta escancara a boca, e, batendo as mãos, põe-se a cantar:
Baba ounlô, ó xocotám, o ilélê.
- Que vem a ser isso?
- É o final das festas, quando o santo vai embora. Quer dizer: papai já foi, já fez, já acabou;
vai embora!
Eu olhava a réstia estreita do quintal onde dormiam jabotis.
- O jaboti é um animal sagrado?
- Não, diz-nos o sábio Antônio. Cada santo gosta do seu animal. Xangô, por exemplo, come
jaboti, galo e carneiro. Abaluaié, pai de varíola, só gosta de cabrito. Os pais-de-santo são
obrigados pela sua qualidade a fazer criação de bichos para vender e tê-los sempre à
disposição quando precisam de sacrifício. O jaboti é apenas um bicho que dá felicidade. O
sacrifício é simples. Lava-se bem, às vezes até com champanha, a pedra que tem o santo e
põe-se dentro da terrina. O sangue do animal escorre; algumas das partes são levadas para
onde o santo diz e o resto a roda come.
- Mas há sacrifícios maiores para fazer mal às pessoas?
- Há! para esses até se matam bois.
- Feitiço pega sempre, sentencia o ilustre Oloô-Tetê, com a sua prática venerável. Não há
corpo-fechado. Só o que tem é que uns custam mais. Feitiço para pegar em preto é um instante,
para mulato já custa, e então para cair em cima de branco a gente sua até não poder mais. Mas
pega sempre. Por isso preto usa sempre o assiqui, a cobertura, o breve, e não deixa de mastigar
obi, noz de cola preservativa.
Para mim, homem amável, presentes alguns companheiros seus, Oloô-Tetê tirou o opelé
que há muitos anos foi batizado e prognosticou o meu futuro.
Este futuro vai ser interessante. Segundo as cascas de tartaruga que se voltavam sempre
aos pares, serei felicíssimo, ascendendo com a rapidez dos automóveis a escada de Jacó das
posições felizes. É verdade que um inimigozinho malandro pretende perder-me. Eu, porém, o
esmagarei, viajando sempre com cargos elevados e sendo admirado.

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Abracei respeitoso o matemático que resolvera o quadrado da hipotenusa do desconhecido.
- Põe dinheiro aqui - fez ele.
Dei-lhe as notas. Com as mãos trêmulas, o sábio a apalpou longamente.
- Pega agora nesta pedra e nesta concha. Pede o que tiveres vontade à concha, dizendo
sim, e à pedra dizendo não.
Assim fiz. O opelé caiu de novo no encerado. A concha estava na mão direita de Antônio, a
pedra na esquerda, e Oloô tremia falando ao santo, com os negros dedos trêmulos no ar.
- Abra a mão direita! ordenou.
Era a concha.
- Se acontecer, ossumcê dá presente a Oloô?
- Mas decerto.
Ele correu a consultar o opelé. Depois sorriu.
- Dá, sim, santo diz que dá. - E receitou-me os preservativos com que eu serei invulnerável.
Também eu sorria. Pobre velho malandro e ingênuo! Eu perguntara apenas,
modestamente, à concha do futuro se seria imperador da China... Enquanto isso, a negra da
cantiga entoava outra mais alegre, com grande gestos e risos.
O loô-ré, xa-la-ré
Camurá-ridé
O loô-ré, xa-la-ré
Camurá-ridé
- E esta, o que quer dizer?
- É uma cantiga de Orixalá. Significa: O homem do dinheiro está aí. Vamos erguê-lo...
Apertei-lhe a mão jubiloso e reconhecido. Na alusão da ode selvagem a lisonja vivia o
encanto da sua vida eterna...
AS IAUÔ
A recordação de um fato triste - a morte de uma rapariga que fora à Bahia fazer-santo -
deu-me ânimo e curiosidade para estudar um dos mais bárbaros e inexplicáveis costumes dos
fetiches do Rio.
Fazer-santo é a renda direta dos babaloxás, mas ser filha-de-santo é sacrificar a liberdade,
escravizar-se, sofrer, delirar.
Os transeuntes honestos, que passeiam na rua com indiferença, não imaginam sequer as
cenas de Salpetrière africana passadas por trás das rótulas sujas.
As iauô abundam nesta Babel da crença, cruzam-se com a gente diariamente, sorriem aos
soldados ébrios nos prostíbulos baratos, mercadejam doces nas praças, às portas dos
estabelecimentos comerciais, fornecem ao Hospício a sua quota de loucura, propagam a
histeria entre as senhoras honestas e as cocottes, exploram e são exploradas, vivem da
crendice e alimentam o caftismo inconsciente. As iauô, são as demoníacas e as grandes
farsistas da raça preta, as obsedadas e as delirantes. A história de cada uma delas, quando não
é uma sinistra pantomima de álcool e mancebia, é um tecido de fatos cruéis, anormais, inéditos,
feitos de invisível, de sangue e de morte. Nas iauô está a base do culto africano. Todas elas
usam sinais exteriores do santo, as vestimentas simbólicas, os rosários e os colares de contas
com as cores preferidas da divindade a que pertencem; todas elas estão ligadas ao rito
selvagem por mistérios que as obrigam a gastar a vida em festejos, a sentir o santo e a respeitar
o pai-de-santo.
Fazer-santo é colocar-se sobre o patrocínio de um fetiche qualquer, é ser batizado por ele,
e por espontânea vontade dele. As negras, insensíveis a quase todas as delicadezas que
produzem ataques na haute-gomme, são, entretanto, de uma impressionabilidade mórbida por
tudo quanto é abusão. Da convivência com os maiores nesse horizonte de chumbo, de
atmosfera de feitiçarias e pavores, nasce-lhes a necessidade iniludível de fazer também o santo;
e não é possível demovê-las, umas porque a miragem da felicidade as cega, outras porque já

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estão votadas à loucura e ao alcoolismo. Entre as tribos do interior da África, há o sacrifício do
agamum, em que se esmagam vivas as crianças de seis meses. Ao Moloch das vesânias a raça
preta sacrifica aqui uma quantidade assustadora de homens e de mulheres.
Antônio, que me mostrara a maior parte das casas-de-santo, disse-me um dia:
- Vou levá-lo hoje a ver o 16.º dia de uma iauô.
Para que uma mulher saiba a vinda do santo, basta encontrar na rua um fetiche qualquer,
pedra, pedaço de ferro ou concha do mar. De tal maneira estão sugestionadas, que vão logo
aos babalaôs indagar do futuro. Os babalaôs, a troco de dinheiro, jogam o edilogum, os búzios,
e servem-se também por aproximação dos signos do zodíaco.
- O mês do Capricórnio - diz Antônio - compreende todos os animais parecidos, a cabra, o
carneiro, o cabrito, e segundo o cálculo do dia e o animal preferido pelo santo, os matemáticos
descobrem quem é.
Quando já sabe o santo, babalaô atira a sorte no obelê para perguntar se é de dever fazê-
lo. A natureza mesmo do culto, a necessidade de conservar as cerimônias e a avidez de ganho
da própria indolência fazem o sábio obter uma resposta afirmativa.
Algumas criaturas paupérrimas batem então nas faces e pedem:
- Eu quero ter o santo assentado!
É mais fácil. Os pais-de-santo dão-lhe ervas, uma pedra bem lavada, em que está o santo,
um rosário de contas que se usa no pescoço depois de purificado o corpo por um banho.
Nessas ocasiões o vadio invisível contenta-se com o ebó, despacho, algumas comedorias com
azeite-de-dendê, ervas e sangue, deixadas na encruzilhada dos caminhos.
Quase sempre, porém, as vitimas sujeitam-se, e não é raro, mesmo quando são pobres os
pais, a aceitarem o trabalho com a condição de as vender em leilão ou serem servidos por elas
durante longo tempo. Como as despesas são grandes, as futuras iauô levam meses fazendo
economias, poupando, sacrificando-se. E de obrigação levar comidas, presentes, dinheiro ao
pai-de-santo para a sua estada no ylê ache-ó-ylê-orixá, estada que regula de 12 a 30 dias.
- Isto acontece só para as iauô dos orixás, - diz Antônio.
- Há outras?
- Há as dos negros cambindas. Também essa gente é ordinária, copia os processos dos
outros e está de tal forma ignorante que até as cantigas das suas festas têm pedaços em
português.
- Mas entre os cambindas tudo é diferente?
- Mais ou menos. Olhe por exemplo os santos.
Orixalá é Ganga-Zumba, Obaluaci, Cangira-Mungongo, Exu, Cubango, Orixá-oco,
Pombagira, Oxum, a mãe d'água, Sinhá Renga, Sapanam, Cargamela. E não é só aos santos
dos orixás que os cambindas mudam o nome, é também aos santos das igrejas. Assim S.
Benedito é chamado Lingongo, S. Antônio, Verequete, N. Senhora das Dores, Sinhá Samba.
Para os cambindas serve para santo qualquer pedra, os paralelepípedos, as lascas das
pedreiras e esses pretos sem-vergonha adoram a flor do girassol que simboliza a lua...
Eu estava atônito. Positivamente Antônio achava muito inferiores os cambindas.
- As iauô?
- As filhas-de-santo macumbas ou cambindas chegam a ter uma porção de santos de cada
vez, manifestando-se na sua cabeça. Sabe V.S. o que cantam eles quando a yauô está com a
crise?
Maria Mucangué
Lava roupa de sinhá,
Lava camisa de chita,
Não é dela, é de yayá.
- Quer ouvir outra?

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Bumba, bumba, ó calunga,
Tanto quebra cadeira como quebra sofá
Bumba, bumba, ó calunga.
Houve uma pausa e Antônio concluiu:
- Por negro cambinda é que se compreende que africano foi escravo de branco.
Cambinda é burro e sem-vergonha!
Disse e voltou à narrativa da iniciação das iauô.
Antes de entrar para camarinha, a mulher, predisposta pela fixidez da atenção a todas as
sugestões, presta juramento de guardar o segredo do que viu, toma um banho purificador e à
meia-noite começa a cerimônia. A iauô senta-se numa cadeira vestida de branco com o ojá
apertando a cintura. Todos em derredor entoam a primeira cantiga a Exu.
Echu tiriri, lô-nam bará ô bebê.
Tiriri lo-nam Echu tiriri.
O babaloxá pergunta ao santo para, onde deve ir o cabelo que vai cortar à futura filha, e,
depois de ardente meditação, indica com aparato a ordem divina. Essas descobertas são
fatalmente as mesmas no centro de uma cidade populosa como a nossa. Se o santo é a mãe
d'agua doce, Oxum, o cabelo vai para a Tijuca, a Fábrica das Chitas; se é Ié-man-ja fica na praia
do Russel, em Santa Luzia; se é outro santo qualquer, basta um trecho de praça em que as ruas
se cruzem.
As rezas começam então; o pai-de-santo molha a cabeça da iauô com uma composição de
ervas e com afiadíssima navalha faz-lhe uma coroa, enquanto a roda canta triste.
Orixalá otô ô yauô!
Essa parte do cabelo é guardada eternamente e a iauô não deve saber nunca onde a
guardam, porque lhe acontece desgraça. Em seguida, o lúgubre barbeiro raspa-lhe
circularmente o crânio, e quando a carapinha cai no alguidar, a operada já perdeu a razão.
Babaloxá, lava-lhe ainda a cabeça com o sangue dos animais esfaqueados pelos ogans, e
as iauô antigas levam-na a mudar a roupa, enquanto se preparam com ervas os cabelos do
alguidar.
Daí a momentos a iniciada aparece com outros fatos, pega no alguidar e sai acompanhada
das outras, que a amparam e cantam baixo o ofertório ao santo. Em chegando ao lugar
indicado, a hipnotizada deixa a vaso, volta e é recebida pelo pai, que entorna em frente à porta
um copo d'água.
A nova iauô vai então descansar, enquanto os outros rezam na camarinha em frente ao
estado-maior.
- O estado-maior? - indago eu, assustado com o exército misterioso. O estado-maior é a
coleção de terrinas e sopeiras colocadas numa espécie de prateleiras de bazar. Nas sopeiras
estão todos os santos pequenos e grandes. Há desde as terrinas de granito às de porcelanas
com frisos de ouro, rodeando armações de ferro, onde se guarda o Ogum, o São Jorge da
África.
No dia seguinte à cerimônia, a iauô lava-se e vai à presença do pai para ver se tem
espíritos contrários.
Se os espíritos existem, o pai poderoso afasta a influência nefasta por meio de ebós e
ogunguns. A iauô é obrigada a não falar a ninguém: quando deseja alguma coisa, bate palmas e
só a ajuda nesses dias a mãe-pequena ou Iaque-que-rê. As danças para preparo de santo
realizam-se nos 1.º, 3.º, 7.º, 12.º, e no 16.º dia o santo revela-se.
- Mas que adianta isso às iauô?
- Nada. O pai-de-santo domina-as. O erô ou segredo que lhe dá, pode retirá-lo quando lhe
apraz; o poder de as transformar e fazer-lhes mal está em virar o santo sempre que tem
vontade.
- E quando essas criaturas morrem?

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- Faz-se a obrigação raspando um pouco de cabelo para saber se o santo também vai, e o
babaloxá procura um colega para lhe tirar a mão do finado.
As cerimônias das iauô renovam-se de resto de seis em seis meses, de ano em ano, até à
morte. São elas que em grande parte sustentam o culto.
Quando a iauô não tem dinheiro, ou o pai vende-a em leilão ou a guarda como serva. Desta
convivência é que algumas chegam a ser mães-de-santo, para o que basta dar-lhe o babaloxá
uma navalha.
- E há muita mãe-de-santo?
- Umas cinqüenta, contando com as falsas. Só agora lembro-me de várias: a Josefa, a Calu
Boneca, a Henriqueta da Praia, a Maria Marota, que vende à porta do Glacier, a Maria do
Bonfim, a Martinha da rua do Regente, a Zebinda, a Chica de Vavá, a Aminam pé-de-boi, a
Maria Luiza, que é também sedutora de senhoras honestas, a Flora Coco Podre, a Dudu do
Sacramento, a Bitaiô, que está agora guiando seis ou oito filhas, a Assiata.
Esta é de força. Não tem navalha, finge de mãe-de-santo e trabalha com três ogans falsos
- João Ratão, um moleque chamado Macário e certo cabra pernóstico, o Germano. A Assiata
mora na rua da Alfândega, 304. Ainda outro dia houve lá um escândalo dos diabos, porque a
Assiata meteu na festa de Iemanjá algumas iauô feitas por ela. Os pais-de-santo protestaram, a
negra danou, e teve que pagar a multa marcada pelo santo. Essa é uma das feiticeiras de
embromação.
Nesse mesmo dia Antônio veio buscar-me à tarde.
- A casa a que vai V.S. é de um grande feiticeiro; verá se não há fatos verdadeiros.
Quando chegamos, a sala estava enfeitada. Em derredor sentavam-se muitos negros e
negras mastigando olobó, ou cola amargosa, com as roupas lavadas e as faces reluzentes. A
um canto, os músicos, fisionomias estranhas, faziam soar, com sacolejos compassados, o
xequerêe, os atabaques e ubatás, com movimentos de braços desvairadamente regulares. Não
se respirava bem.
A cachaça, circulando sem cessar, ensangüentava os olhos amarelos dos assistentes.
- As vezes tudo é mentira, à custa de cachaça e fingimento - diz Antônio. Quando o santo
não vem, o pai fica desmoralizado. Mas aqui é de verdade...
Olhei o célebre pai-de-santo, cujas filhas são sem conta. Estava sentado à porta da
camarinha, mas levantou-se logo, e a negra iniciada entrou, de camisola branca, com um leque
de metal chocalhante. Fula, com uma extraordinária fadiga nos membros lassos, os seus olhos
brilhavam satânicos sob o capacete de pinturas bizarras com que lhe tinham brochado o crânio.
Diante do pai estirou-se a fio comprido, bateu com as faces no assoalho, ajoelhou e beijou-lhe a
mão. Babaloxá fez um gesto de bênção, e ela foi, rojou-se de novo diante de outras pessoas. O
som do agogó arrastou no ar os primeiros batuques e os arranhados do xequeré. A negra
ergueu-se e, estendendo as mãos para um e para outro lado, começou a traçar passos, sorrindo
idiotamente. Só então notei que tinha na cabeça uma esquisita espécie de cone.
- É o ado-chú, que faz vir o santo - explica Antônio. - É feito com sangue e ervas. Se o ado-
chú cai, santo não vem.
A negra, parecia aos poucos animar-se, sacudindo o leque de metal chocalhante.
Em derredor, a música acompanhava as cantigas, que repetiam indefinidamente a mesma
frase.
As dança dessas cerimônias é mais ou menos precipitada, mas sem os pulos satânicos dos
Cafres e a vertigem diabólica dos negros da Luisiania. É simples, contínua e insistente,
horrendamente insistente. Os passos constantes são o alujá, em roda da casa, dando com as
mãos para a direita e para a esquerda, e o jêquedê, em que ao compasso dos atabaques, com
os pés juntos, os corpos se quebram aos poucos em remexidos sinistros. Não sei se o
enervante som da música destilando aos poucos desespero, se a cachaça, se o exercício, o fato
é que, em pouco, a iauô parecia reanimar-se, perder a fadiga numa raiva de louca. De cada
xequexé-xequexé que a mão de um negro sacudia no ar, vinha um espicaçamento de urtiga,
das bocas cusparinhentas dos assistentes escorria a alucinação. Aos poucos, outros negros,
não podendo mais, saltaram também na dança, e foi então entre as vozes, as palmas e os
instrumentos que repetiam no mesmo compasso o mesmo som, uma teoria de cara bêbedas
cabriolando precedidas de uma cabeça colorida que esgareiava lugubremente. A loucura
propagou-se. No meio do pandemônio vejo surgir o babaloxá com um desses vasos furados em
que se assam castanhas, cheio de brasas.

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- Que vai ele fazer?
- Cala, cala... é o pai, é o pai grande - balbucia Antônio.
As cantigas redobram com um furor que não se apressa. São como uma ânsia de
desesperado essas cantigas, como a agonia de um mesmo gesto arrancando dos olhos a
mesma lâmina de faca, são atrozes! O babaloxá coloca o cangirão ardente na cabeça da iauô,
que não cessa de dançar delirante, insensível, e, alteando o braço com um gesto dominador e
um sorriso que lhe prende o beiço aos ouvidos, entorna nas brasas fumegantes um alguidar
cheio de azeite-de-dendê.
Ouve-se o chiar do azeite nas chamas, a negra, bem no meio da sala, sacoleja-se num
jequedé lancinante, e pela sua cara suada, do cangirão ardente, e que não lhe queima a pele,
escorrem fios amarelos de azeite...
Ie-man-já atô cuaô.
continuava a turba.
- Não queimou, não queimou, ele é grande - fez Antônio.
Eu abrira os olhos para ver, para sentir bem o mistério da inaudita selvageria. Havia uma
hora, a negra dançava sem parar; pela face o dendê quente escorria benéfico aos santos. De
repente, porém ela estacou, caiu de joelhos, deu um grande grito.
- Emim oiá bonmim'. - Bradou.
- É o nome dela, o santo disse pela sua boca o nome que vai ter.
A sala rebentou num delírio infernal. O babaloxá gritava, com os olhos arregalados,
palavras guturais.
- Que diz ele?
- Que é grande, que vejam como é grande!
Criaturas rojavam-se aos pés do pai, beijando-lhes os dedos, negras uivavam, com as
mãos empoladas de bater palmas; dois ou três pretos aos sons dos xequerês sacudiam-se em
danças com o santo, e a iauô revirava os olhos, idiota, como se acordasse de uma grande e
estranha moléstia.
- Que vai ela fazer agora, Deus de misericórdia! - murmurei saindo.
- Vai trabalhar, pagar no fim de três meses a sua obrigação, ochu meta, dar dinheiro a pai-
de-santo, ganhar dinheiro...
- Sempre o dinheiro! - fiz eu olhando a velha casaria.
Antônio parou e disse:
- Não se engana V.S.
E limpando o suor do rosto, o negro concluiu com esta reflexão profunda:
- Neste mundo, nem os espíritos fazem qualquer coisa sem dinheiro e sem sacrifício!
Fomos pela rua estreita com a visão sinistra da pobre mártir aos pulos, dessa cabeça
pintada, entre os chocalhos e os atabaques, que dançava e gritava horrendamente..."

(Fonte:
João do Rio. As Religiões no Rio. Editora Nova Aguilar; Ed. 1976.)

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Evento Afro-Religioso no RJ

Uma boa dica para a comunidade candomblezeira do Estado do Rio de Janeiro é o evento que será realizado no início de Novembro lá em Sepetiba, no Clube do Recôncavo, com acesso pela Pela Praia do Recôncavo, antiga Praia Dona Luiza.
O Projeto na íntegra:









Produção:
Cristina Costa (Corregedora do Forum do Rio de Janeiro).
Marcio R. A. Costa e Rosana A. Teixeira
R&M Filmes e Imagens.
CNPJ: 11.049.949/0001-00
Tel./Fax: (21) 3422-0970
Cel.: (21) 9522-6573

Apoio:
PAPOINFORMAL.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Zangbeto Interdita Escola.



Aconteceu ontém 30/09/2009 na porta de uma escola do terceiro distrito de Porto-Novo, no Benin, noticia Blaise Ahouansè no La Nouvelle Tribune.

O acesso foi barrado a qualquer transeunte, mesmo às autoridades, ninguém pode penetrar no recinto escolar.

O chefe do Culto Zangbeto Roger Aklokan afirmou na rede local de televisão que é “uma forma de protesto da população” contra a continuidade do muito severo diretor da unidade escolar que permanece no cargo de direção há 4 anos e de forma irregular.

Algumas pessoas da comunidade, no entanto, acham que o ocorrido é patrocinado pela associação de pais e alguns professores da escola.

Zangbeto são os voduns guardiões por tradição, de origem nagô/iorubá, introduzidos no antigo Dahomey na época do rei Agadja (1711 – 1741) para guardarem a comunidade, e a nomeação dos chefes de culto de Zangbetos passou a ser feita pelo rei à partir de seu sucessor Tegbessou, são entidades parecidas com os Egunguns, eles são altamente reverenciados e agem como policiais patrulhando ruas, vigiando pessoas, caçando criminosos e apresentando-os à comunidade para que possam ser punidos pela justiça.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

A Fundação de Savalou – Parte III.

Dànkɔli Vòdún, um fetiche Dàn em
Savalou. Foto em http://racines.africa-web.org/

Hoje, às portas da cidade de Savalou é possível ver uma grande estátua de terracota, no centro de um parque que representa a linhagem Gbaguidi, oriunda de Ahossu Soha. Esta linhagem foi aliada dos reis de Abomey, capital histórica e cultural do antigo Reino do Dahomey.
Esta dinastia ainda está em vigor: O rei atual é Gbaguidi Tossoh XIII (que seriamente desonrou a tradição de sua família por se converter ao Islã recentemente).

Savalou hoje faz fronteria com Dassa-Zoumé a leste, Glazoué ao norte, a sul com Djidja e com Bante (Banté), e com a República do Togo a oeste, possuindo uma área total de 2674 km2, o que representa 2,37% do Benim. Está dividida em 14 distritos, onde quatro estão urbanizados: Aga, Agbado, Attak e Ouessant (fonte do INS).

A população de Savalou é composta principalmente de Mahis e Ifés. Outras populações, embora menores também estão presentes há séculos, são elas: Os Fons, os Adjas, os Peuhl Haussás e os Betamaribés.
Os dois principais grupos étnicos da cidade são o grupo Adja-Tado e o iorubá. O Adja-Tado é composto de Fons e Mahis. Eles representam hoje cerca de 58% da população total. A Língua Mahi (maxigbè) é um dialeto lingüisticamente ligado ao Fon (fongbè), que é a língua falada principalmente no sul e centro do Benin. O Savalunos Mahis constituem uma minoria entre os Nagôs instalados que povoam principalmente o Benin central. O grupo iorubá inclui Ifés no oeste da cidade, e Itchas, ou Idaatchas, ao norte e ao leste. Eles representam 32% da população total.
Outros grupos étnicos de migrações, porém, recentes são Yom Lokpa (2,3%), Fulani (2,2%), Otamari (2,5%), Dendi, Baatonu (0,9%).

Principais Pontos Turísticos:

As antas sagradas que são alimentadas em Ouèssè;
As 7 Palmeiras de Minik-Savalou;
O Vodum "Dankoli", que tem a reputação de conceder os desejos de qualquer estrangeiro que o procura, etc. É venerado num imenso cupinzeiro (cupinzeiros são consagrados ao vodum Dàn) aos pés de uma árvore atingida pelo mesmo. Ali encontra-se o Danzen (pote ritual sagrado de Dàn) e ao lado do fetiche há um mastro de dawé (bambú) onde tremula ao vento, uma bandeira branca que adverte a todos quanto à sacralidade daquele espaço.
O Museu da Caça Fá de Savalou;
O Museu de História de Savalou;
O Monte histórico Logozohè Segui (símbolo "dos chefes de Logozohè);
O Palácio Real Hunukon, prestigio do Reino de Savalou que fica localizado no sopé das colinas savalunas.

Algumas aldeias:
Ouèssè; Logozohè; Monkpà; Gobadi; Làhotà; Kpàtàbà; Zounzonkànmin; Covèdji; Ottolà; Doyisà; Mondja; Codji; Minik; Tchets; Duma; e Djàloukou.

Ritmos musicais:
Tchégumin e Toba


Mercados de Savalou:
Os Mercados Chao e Zongo, localizados no centro da cidade.
Outros: Tchets, Doyisà, Kpàtàbà, etc.

Fontes: Wikipedia; Berge, J.; Koutinhouin; Ong Racines.
(Partes I, II, e III)

terça-feira, 22 de setembro de 2009

A Fundação de Savalou – Parte II.



De Yayè, Ahossu Soha desceu com sua comitiva ao sul e passou a se estabelecer em Ouo Ainon (o dono da terra). Isto permitiu-lhe estabelecer-se na aldeia de Houawé, não muito longe do atual Bohicon e ao lado da atual Kana.

Em Houawé Ahossu-Soha lutou contra o povo Nagô dos arredores durante seus ataques noturnos, que muitas vezes atravessava a noite com muito barulho, então recebeu o nome de “Gba Guidi-Guidi” (o que caça com altos ruídos), resultando mais tarde em “Gbaguidi” (o nome Gbaguidi foi conservado pela comunidade de Savalou e pertence aos sucessores do trono real).

Um filho do Rei de Allada, Aho, voltou para o norte depois de sua reconciliação com seus irmãos em Huegbo. Ele chegou à Ouo Ainon com Ahossu-Soha que o persuadiu, a se instalar em Gbennon (local do atual Bohicon).
Tudo ia bem entre os três chefes quando por causa de uma aposta de caça Aho assassina Ouo.
Então, com nojo do gesto ingrato Ahossu-Soha diz: Gbaguidi Primeiro!

Rumando mais ao norte, criou a vila Honhoungo cerca de doze quilômetros a oeste da atual Savalou, às margens do Rio Azokan, é onde Ahossu-Soha decidiu tomar uma aldeia nagô, Tchebelou, que ficava ao alto situada nos morros. Feiticeiros disseram que para isso era necessário o uso de “astúcia e de encanto”.

Fazendo uso da astúcia, primeiro fez amizade com o chefe da aldeia Tchebelou, e fazendo uso do encanto, preparou um amuleto, feito com um pombo mágico para queimar a aldeia de seu suposto amigo, e a aldeia foi queimada... Para mostrar (falsa) compaixão ao chefe nagô, Ahossu Soha
prometeu-lhe toda assistência na pronta reconstrução da aldeia. Aho também colaborou no evento.

E chegou o dia, em que apareceu com seus homens, carregando fardos de palha dentro dos quais
estavam escondidas muitas armas.

Não desconfiando de nada, o nagôs ofereceram aos seus vizinhos comida e bebida. Uma vez saciados, os homens de Ahossu-Soha rapidamente se armaram e se lançaram sobre eles, que indefesos tiveram de fugir para Banta e Bassila, e outros criaram uma nova aldeia “Kloue” (local ao norte de Savalou). Depois “Tchebelou” passou a se chamar “Savalou”, literalmente significando: "Graças ao meu amigo".

domingo, 20 de setembro de 2009

A Fundação de Savalou – Parte I.

Sementes fermentadas de Parkia biglobosa, Afintin em Língua Mahi. Foto de N. Lamien em http://www.fao.org/

Há muito tempo atrás existia ao lado de Segbohoué, no Sudoeste do Benin, uma vila de pescadores denominados "Dovi" (dovi significa “filhos da rede”) de etnia Houedah (descendentes Adja-Aïzo).

Mitogboji, segundo a lenda, foi o filho mais velho do líder da vila que tinha por irmão a Dessu Gbéto, um caçador que esteve ausente da cidade há vários anos antes da morte de seu pai Aleju.
Com sua morte, os filhos reuniram-se e dividiram todos os bens do finado pai sem pensarem na parte da herança do irmão Dessu Gbéto, (Gbéto em Fongbè, surge como uma corruptela da palavra “avemeto” que significa homem do mato, ou do campo, na Língua Adja), então ausente.

Em seu retorno, ele protestou violentamente no conselho de família que se reuniu novamente para dar-lhe um pequeno campo cultivado com pés de Afintin (Parkia biglobosa; Néré; Afintin em Língua Mahi) como herança. A sua importância deriva do fato de que as sementes que são extraídas das vagens são usadas para produção (lavagem e fermentação) de condimentos da culinária regional.

Um dia Dessu Gbéto pegou um de seus irmãos colhendo vagens no alto duma árvore Afintin dentro de seu campo, e atirou nele com uma flecha envenenada, foi quando recebeu o nome de Atolu que deriva da frase “Ato lu Kponji bo me dijè adida bo lankuvi”, que significa literalmente: “Um macaco bobo olhou para lá e ele caiu”, por este nome, até hoje são conhecidos os descendentes de Dessu. Após este incidente, Dessu, agora conhecido por Dessu Atolu, teve que fugir da aldeia para se instalar em um novo lugar.

Dessu foi para o lado esquerdo do Vale do Ouémé e ali conheceu um chefe de uma aldeia chamado Ligbo através da amizade que fez com seu filho após ter matado uma serpente que iria picá-lo. Reconhecendo isto, o chefe lhe permitiu que vivesse na aldeia.

Os anos se passaram e um entendimento perfeito existia entre Ligbo e Dessu Atolu, e houve um relacionamento íntimo e secreto com uma das meninas de Ligbo, e Dessu Atolu tornou-se pai de uma criança, e lhe deu o nome de Agbahako (colar de pescoço; gargantilha). Apesar disso, Ligbo voluntariamente deu ainda outro filho em casamento a Dessu
Atolu.

Mais tarde por acordo com Ligbo, Dessu Atolu migrou o ao longo do Rio Ouemé até Yaye Zou. Aqui cresce Agbahako juntamente com um búfalo que seu pai havia trazido num dia de caça, e aqui também é onde anos depois morre Dessu Atolu.

Para resolver os problemas de sucessão, ficou proposto que quem conseguisse montar o búfalo do finado Atolu seria o novo líder do clã, muitos tentaram, mas niguém conseguiu tal feito, exceto Agbahako, que logicamente, crescera na compania do animal.

Ele tornou-se o nova líder do clã sob o nome de nome de Ahossu Soha, ou seja: “O Rei que monta o cavalo”, ou talvez possa ter vindo da frase: “Ahosugbè soha bo ha so dogbé” que significa “O rei preferiu montar um búfalo selvagem, em vez de um cavalo,” segundo alguns registros orais. (Continua)

Ahossou Soha - Fundador de Savalou

terça-feira, 15 de setembro de 2009

A Origem dos Reis de Porto-Novo.

Ceiba petandra (Gédéhunsu em Língua Mahi). Foto por Atamari.

A ORIGEM DOS REIS DO PORTO NOVO
"Okoro, Hogbomè, Hogbonou, Adjatchè ou Porto-Novo: Da lenda para o nascimento da cidade de Aïnonvi."


A história da cidade de Porto-Novo, a cidade com três nomes, data de mais de 400 anos desde o passado com a história dos caçadores reais da realeza de Obangandjou. A história do nascimento da capital política do Benin diz que Tè Agbanlin foi o fundador da cidade de muitas heranças.


Os Reis do Porto Novo Descendem de Dassa, o Segundo Rei de Adja-Tado:

Segundo a lenda, um dia, um estrangeiro a partir de Ijebu Ode (na atual Nigéria) chamado Adimoula entrou no país Adja. Emérito caçador e feiticeiro de renome, ele ajudou o rei Aholouho a repelir as invasões repetitivas de seus vizinhos.
Como recompensa, Adimoula recebeu o título de "Avadjo" (Oba-Adjo) que significa rei estrangeiro. Aholouho também lhe ofereceu para casar com sua única filha chamada Dakohouin.
Desta união nasceram os gêmeos, Dassou e Dassa, e uma filha chamada Houinsikpè.
Dassa desposou a princesa Na Gouin que era de um estado vizinho. Após a morte de Dassa, seus descendentes sucederam ao trono até Kokpon que é o pai de Tè Agbanlin.


Kokpon do Êxodo à Permanência:
(Rumo ao estabelecimento do reino de Allada)

Um dia, enquanto ele estava no trono, ele foi vítima de uma conspiração que levou à sua expulsão do reino e que quase lhe custou a vida. De volta ao seu reino, ele vai castigar o irmão que se deleita no seu trono e quebra a cabaça simbólica (adjaka), em que os reis bebiam, sem nunca ter bebido no recipiente.
Dassa, então, deixa Tado e parte com sua família e comitiva.
Depois de uma longa caminhada, ele para em uma área que chamou sua atenção. Ele plantou ali uma Ceiba petandra, e assim foi criada a vila de Adanhounsa (que foi o berço da cidade de Allada) e de Adohoué -apelidada- Adjahounto.
Kokpon morreu após vários anos de reinado, deixando os filhos: Medji, Tè Agbanlin e Mèwouegbo. Medji foi quem sucedeu a seu pai no trono. Mèwouegbo e Tè Agbanlin não apreciaram o fato.


Emigração de Tè AGBANLIN:
“ Rumo a criação do reino de HÔGBONON (Porto-Novo) “

Dada a intransigência do Conselho de Ministros e ameaças de Mèwouegbo. Tè Agbanlin deixa Allada e parte com sua comitiva para o sul.
Após a passagem pelas aldeias de Calavi Ganvié, Lo e Djassin, ele foi cumprimentado por Akotchou-Gbenou que ele conhecia bem. Prince Akotchou-Gbenou foi um dos apoiantes de Kokpon (pai de Tè Agbanlin). Ele havia seguido Kokpon em viagem com partida de Tado, mas ele permaneceu um curto período de tempo em Allada. Ele continuou seu êxodo para o sul e funda a vila de Hout (perto de Porto-Novo).
Apresentado por Akotchou, Tè Agbanlin encontrou-se abarrotado. Ele conquistou as aldeias circundantes, tais como Aklon, Djassin em 1688 e fundou o reino de Hogbonou (Porto-Novo), tentou organizar a imagem do seu país de origem Adja Tado para perpetuar as tradições de seus antepassados.
Descendente de Dassa, fez vir à Hôgbonou um descendente de Dassou e nomeou-o rei em uma vila que ele chamou de Davie. Este rei foi desempenhar o mesmo papel que o "Daviéhôlou" de Adja Tado.
Todas as linhas reais Adja Tado foram posteriormente representadas em Porto-Novo. Tè Agbanlin os instalou em diferentes partes da cidade.

Para os descendentes de:

* Hinto Houndjan, atribuiu o grande mercado e Agbo Kome;

* Et Rami, atribuiu Adom. Nesta linha foi dada a chave para o templo Aholouho. É o papel que deve agora fornecer os dois principais cargos do culto dos antepassados. Essas personalidades foram escolhidas filho único entre as princesas de sangue. À partir desse momento, a presença de um membro do templo dessa linhagem tornou-se obrigatória na coroação do rei;

* Huan ele atribuiu Lokossa;

* Lizoumè ele atribuiu Ouèzoumè;

* Zin ele atribuiu Zinkomè;
(Aos descendentes de Lizoumè e Zin posteriormente foi dada Ligan)

* Dossou e Te Houanton, ele atribuiu Zèbou. Eles deram o Mèwou e mais tarde o Ahogân ao reinado de Toffa 1;
* Huan, Lizoumè, Zin, Dossou e Kome, endeusados e adorados até os dias de hoje, cada um recebeu um templo especialmente construído à sombra do Iroko.


Avadjo, ou Rei Zounon:

Com a morte do rei Aholouho de Adja Tado (por morte prematura) e de seu filho, que sucedeu , os anciãos consultaram o Fá. Foi revelado que nenhum dos 13 príncipes poderiam reinar sem morrer e o trono ficou exclusivamente destinado a Dako-Houin e seus descendentes.
Após a indução de ambos os filhos de Dako-Houin, um para Adja Tado e um para Davie, surgiu uma questão sobre Avadjo. O pai do rei tinha direito à honra das pessoas. Após deliberação, o conselho de anciãos lhe confere o título de zounnon (mestre da floresta).
Na morte de Avadjo (Rei Zounnon) para perpetuar a sua memória, foi erguido um templo onde seu Assanyi foi colocado. É em Zounon que se consulta o oráculo de Fá para saber se um príncipe é digno de reinar.


Genealogia do Reino:

O rei era assistido na administração do reino pelos ministros chamados mito. Haviam oito ministros:

* GOGAN: Consultor dos segredos do Rei, o Gogan residia no Togo;

*AKPLOGAN: Ministro da Religião e da Saúde Pública, o primeiro morador de Akplogan Houadakomè ou Agbokomè.

* MIGAN: Conselheiro "Viva o Rei", o Migan é responsável pela execução do corredor da morte. O primeiro Migan residia em Oinlinda.

* MÈWOU: Ministro do Interior para os Assuntos Sociais, que reside em Zèbou-Massa. Havia apenas quatro Mèwou porque o título foi abolida pelo rei Toffa 1.

* ADJAGAN: Ministro das cerimônias e rituais da corte. O primeiro residia em Adjagan Adom.

* AHOGAN: Título criado por D. Toffa 1, substituindo um dos Mèwou. Ele morava em Zèbou.

* AGOU ou SAI: Ministro da Guerra. Esse título vai para os descendentes.

(Pelo Administrador do Forum da Ong Parceiros Sociais, Benin.)

In:
http://socialpartners.forumactif.com/ (Traduzido por Ifabimi).

domingo, 13 de setembro de 2009

As Iniciações ao Fá Vodún.



1-Adogo-Fá:
Este rito significa literalmente “o oráculo da gravidez”. Na verdade, quando sabemos que a mulher está grávida, vamos consultar o Fá (Oráculo geomântico) para saber se a gravidez está indo bem, saber o sexo do futuro bebê, etc. A tradição ensina que a criança "fala" desde o ventre de sua mãe, a primeira consulta é uma forma de interrogatório, questionando a sua mente, mais precisamente, para saber o que suas expectativas são, o que anunciar à família em que vai nascer, etc.
Este diálogo com o espírito da criança, preparando o terreno para sua vinda ao mundo dos vivos: o universo visível, que chamam Gbe em fon e em iorubá chamam Ile Ayè. Por enquanto ele está no ventre de sua mãe, e na vida após a morte (Fe em Fon; Orun Ilé em iorubá). Ao nascer, o seu primeiro choro, irá incluí-lo no mundo dos vivos.
O papel principal depois é identificar todos os sinais característicos que a criança apresenta ao nascer: Será que apresentou os pés primeiro em vez da cabeça? Ou as nádegas? Ela estava com o cordão umbilical enrolado no pescoço, ou no braço? Nasceu de frente para o céu? Nasceu empelicado? Nasceu de mãos abertas? Em resumo: Como estava a criança no nascimento? Estes detalhes são sinais com mensagens que serão importantes para a aposição do nome da criança e, assim, em sua vida futura.
A segunda coisa que é observada é o local onde a criança nasceu;
A terceira coisa que é levada em conta é o dia do nascimento (o dia da semana nas semanas de 4,7, e de 9 dias).
Com esses 3 elementos seus pais serão capazes de abordar a segunda iniciação.

2-Fagbasa:
Tem lugar aos 3 dias, 3 meses ou 3 anos após o nascimento da criança. É durante esta cerimônia que se dá o nome à criança, que é retirado dos elementos anteriores.
O nome comum é conhecido em todo o mundo e ele mantém toda a sua vida, ao contrário do seu verdadeiro nome, que será atribuído a ele durante a segunda iniciação (Fagbasa) que só será conhecido no círculo familiar. Tradicionalmente, não se revela o verdadeiro nome fora da família.
Para dar seu nome verdadeiro deve se conhecer o antepassado, que presidiu o seu nascimento. É o “joto” ascendente que significa “o pai do nascimento”. Não é do pai biológico, mas do pai espiritual, do vodún. É o mekokanto joto, ou seja, "o pai espiritual que escolheu a terra cujo filho foi expulso”. Este joto é identificado por consulta ao Fá e com os três elementos relacionados nas circunstâncias do nascimento. A criança recebe um joto, ali está suas características físicas, seu caráter, seu potencial espiritual, etc. É muito provável que ele faça na vida, de acordo com o caminho de seu joto.

3-Fá-sinsen (Amansinu):
É o terceiro rito iniciático. Ele é intermediário entre o Fagbasa e o Fazun. Este início pode ser visto como um rito de passagem na adolescência. Ocasião quando dois coquinhos de dendezeiro são entregues ao iniciado, que os usa envolta do pescoço até sua iniciação no Fazun, outra ocasião em que é feito o Fá-tite.

4-Fazun e Fá-tite:
É a iniciação na floresta sagrada de Fá Vodún, o Fazun. A quarta iniciação é a mais importante na vida de um homem. O rito é desenvolvido na idade em que o rapaz já pode ser considerado um adulto.
Com a presença de vários iniciados de Fá Vodún, e parentes ou amigos próximos que já passaram pela mesma cerimônia ritualística, o novo homem vai buscar com suas próprias mãos na floresta sagrada o seu kpoli (dù), isto é, o signo em que Fá lhe revela quem é, e o que realmente é. Este signo continuará a ser um segredo para sempre, ele nunca deverá ser revelado à ninguém de fora do culto que lhe fez o rito.
O kpoli é o sinal que é obtido nas consultas do Fá-tite do bokonon à noite dentro da floresta e que revela ao homem o seu passado, seu futuro, seus pontos fortes e fracos, suas proibições (sù), as doenças que ele pode sofrer, e até o tipo de morte que o espera; o tipo de mulher que ele deve ou não casar; de quantos filhos será pai, etc.
Após a cerimônia, o novo iniciado irá para a escolha do seu nome, em conformidade com seu kpoli. O nome dado por seus pais Fagbasa desaparecerá e ele passará a ser conhecido por um novo nome e que muitas vezes é um aforismo, um provérbio, uma máxima, ou uma frase tirada de uma parábola ou lenda ligada ao seu kpoli. Mas não usará a frase inteira, apenas um clipe dela, e às vezes apenas uma palavra da frase. Assim, o nome real ficará desconhecido, e será difícil para um leigo deduzir qual é o seu kpoli.
A cerimônia do Fá-tite no Fazun é muito complexa e pode durar três dias ou mais (excluindo o período de preparação, jejum, etc.). Ela começa com o bokonon pai de sua iniciação e termina com ele.