Enquadramento Histórico e Urbanismo
A colonização portuguesa da frente atlântica marroquina, iniciada pelos anos 60 do século XV, a que podemos chamar "Ciclo do Golfo da Guiné", trouxe largos proveitos à coroa mesmo antes do começo da governação do rei D. Manuel. Culminou com a centralização do tráfego das riquezas obtidas no recém‐construído Castelo da Mina (atual Gana), em 1482, por Diogo de Azambuja, o mesmo governador que fundaria depois a Safim portuguesa e Aguz, na soberania territorial de Marraquexe. Rafael Moreira aponta, em poucas palavras, a maneira como se articulava com outros centros desde essa época até ao fim do século XVII: "Na costa da Mina projecta‐se uma cadeia de bases: uma fortaleza na ‘Aldeia de Portugal’ do cabo das Palmas, que o rei ainda insistia que se fizesse em seu testamento; os fortes de Achem (só feito em 1503), Xamã e Acra (no actual Gana), em redor da cidade de São Jorge da Mina; e a feitoria de Ugató, na costa de Benim (que em finais do século XVII daria lugar ao entreposto fortificado de São João Baptista de Ajudá), a fim de comerciar com o reino de Daomé".
Os primeiros portugueses chegados às costas do grande golfo africano fizeram‐no às ordens de Fernão Gomes, um mercador de novo tipo que garantia o descobrimento para o rei de cem léguas de costa por ano, enquanto explorava as suas riquezas, em contrapartida do monopólio do "resgate e trauto" da Guiné. Ao fim dos seis anos da validade do contrato (1468‐1474), os portugueses conheceram uma extensão de mais de 3.000 quilómetros da frente marítima até ao Cabo de Santa Catarina, até onde chegavam os reinos do Congo, abaixo do paralelo da Ilha de Ano Bom (descoberta em 1473), com as outras ilhas entretanto visitadas, em 1472 (Fernando Pó, Príncipe e São Tomé). Foi, pois, sob o comando negocial de Fernão Gomes, exercendo a nova arte da economia, que navegadores como João de Santarém, Pêro de Escobar, Fernão de Pó, Lopo Gonçalves e outros prolongaram a fase henriquina dos descobrimentos portugueses, chegando assim ao domínio dos tratos da Costa do Benim. Em confirmação do sucesso obtido, D. João II concedeu a Fernão Gomes brasão de armas, verdadeiro testemunho de uma identificação nobiliárquica de novo género, "où s’exprime l’euphorie de l’or: d’argent à trois têtes de nègres de sable, posées de front, chacune avec collier, boucles d’oreilles et de narines, le tout d’or" (Bramcamp Freire, Armaria Portuguesa, p. 330, cit. por Ballong‐Wen‐Mewuda, 1993, p. 51). O nome que adotou o novo titulado, Fernão Gomes da Mina, exprimia a mentalidade que dava expressão à nova ordem económica europeia.
Segundo Luís Silveira, o forte terá sido "ocupado pelos Negros em 1837, dado o abandono em que o deixámos, porque perdera a importância que lhe vinha do tráfico de escravos para o Brasil. Mas em 1844 Sá da Bandeira promoveu a sua reocupação. Porém, nos fins do século XVIII ainda mantínhamos relações estreitas com o Daomé, porquanto se regista a viagem, em 1796, do baiano Vicente Ferreira Pires, como embaixador neste país".
Com a primeira visita dos referidos navegadores, por volta de 1471, o porto de Ouidah (Ajudá) no território de Daomé (atual Benim), começou a ser frequentado pelos portugueses, que instalaram uma primeira feitoria cerca de 1490. Foi abandonada em 1520, mas construíram outras. Até à primeira metade do século XVII, esta zona da costa africana foi considerada sem grande interesse comercial, porque aí não se encontravam ouro, especiarias nem marfim. No entanto, com a descoberta nas Américas das minas de metais preciosos e o desenvolvimento de grandes plantações, esta costa adquiriu enorme importância como mercado de escravos. Assim surgiram e prosperaram as cidades portuárias de Ajudá, Grand‐Popo, Agoué, Godomaey e Porto‐Novo. Ouidah (Ajudá), simples aldeia no início do tráfico, tornou‐se uma cidade florescente graças à utilização do seu porto como principal porto negreiro da costa do Benim. A situação portuguesa no Golfo da Guiné havia‐se agravado a partir da década de 1630, com as investidas holandesas contra São Jorge da Mina, em 1637, Luanda e São Tomé, em 1641.
A decisão de os portugueses se radicarem em Ajudá tinha por objetivo substituir, no comércio do ouro e dos escravos, os muitos pontos que haviam sido perdidos nesta costa da Guiné. Data de 1680 a primeira iniciativa de construir um forte em Ajudá, quando D. Pedro II encarregou dessa tarefa o capitão‐general de São Tomé e Príncipe, Bernardim Freire de Andrade. Todavia, o Forte de São João Batista de Ajudá só viria a concretizar‐se em 1720‐1721, por ação do capitão‐de‐mar‐e‐guerra José de Torres, que conseguiu que, por motivos diferentes, o rei de Ajudá, o vice‐rei do Brasil, na Bahia, e o rei de Portugal se interessassem na sua construção. Desde o final do século XVIII que o comércio do óleo de palma foi substituindo o tráfico negreiro, assistindo‐se à emergência de uma burguesia local de negociantes africanos e afro‐brasileiros. No princípio do século XIX, com a abolição do tráfico de escravos, a importância da feitoria diminuiu, retirando‐se a guarnição militar lusa e ficando a feitoria a cargo do último escrivão do almoxarifado, Francisco Félix de Sousa, de origem brasileira, o qual, com os seus descendentes, a explorou até 1850, sendo depois reocupada por forças portuguesas.
O forte português construído pelo capitão José de Torres teve início em 21.11.1720, num local elevado, a oeste da povoação de Ouidah. Era feito de barro amassado e terra batida, com cerca de cento e sessenta metros de comprimento, cento e vinte e oito de largura e metro e meio de espessura, e um fosso com cerca de quatro metros a toda à volta, com uma ponte levadiça. Segundo um documento intitulado Memória da Fortaleza Cesárea e publicado por Anacoreta Correia, era uma fortificação (redonda e cercada por muralha quadrangular) "em sitio eminente com capacidade de 16 peças de artilharia", desde logo provida com "8 das melhores do seu navio com polvora, ballas catanas armas de fogo granadas, e os mais petrechos necessarios para a defença". O mesmo documento acrescenta que o capitão "dentro dos muros fez casa para o cabo, quartel para os soldados com cozinha separada". E ainda que "dedicou esta fortaleza à protecção de Nossa Senhora do Livramento, e lhe deu o nome de Cesarea, em obsequio do Vice‐Rei, Vasco Fernandes César". Um pouco antes começara outra obra, a saber, "a casa da feitoria com 45 braças de comprido e 40 de largo em que trabalhão mais de 500 pessoas 30 dias effectivos. Esta casa, acrescenta, tem maior capacidade que a dos outros estrangeiros". Além disso, construiu noutro local uma feitoria dedicada a Nossa Senhora do Carmo.
Todavia, o forte construído em 1721 nada terá a ver (quiçá sequer a localização) com o monumento que hoje existe. Aquele situava‐se na aldeia de Grégre, numa pequena eminência no caminho para a praia, e era dedicado a Nossa Senhora do Livramento; este, no porto de Ajudá, com a invocação de São João Batista. Existe iconografia de ambos os recintos, na qual se pode verificar o aspecto redondo da obra de defesa principal, o que parece relacionar‐se com o Forte de São Marcelo, na Bahia, e a expressiva imagem que representa a sua presença frente à cidade brasileira. O Castelo ou Forte de São João, no porto de Ajudá, menciona‐se já num documento de 1757. Outro documento, datado de 1759, de autoria do baiano José António Caldas, "sargento‐mor de infantaria com exercício de engenheiro", membro da Academia Brasileira dos Renascidos, mostra já outro desenho, com pequenos baluartes pontiagudos nos cantos.
As alterações à construção setecentista podem ser verificadas numa planta de 1876, da autoria do tenente da marinha Carlos Eugénio Corrêa da Silva, intitulada Planta do Forte Portuguez de S. João Baptista d’Ajudá, e reproduzida por Luís Silveira. Através da respectiva legenda ficamos a saber que a altura das muralhas era de dois metros e trinta, e a dos baluartes redondos, até ao parapeito, três metros e meio. O baluarte de noroeste, à esquerda em relação à entrada, diz o mesmo documento, foi derrocado pelos missionários e substituído por uma casa que serve de cozinha. Quanto ao bastião redondo nordeste, estava completamente destruído e sem parapeito, tendo igualmente havido mexidas no pano de muralha entre os dois baluartes, para dar lugar a uns arranjos de compartimentos ao longo do muro. Circundando todo o perímetro, dispunha‐se um valado fazendo as vezes de fosso seco, deixando no sopé dos muros (por questão de estabilidade, mas talvez também para uso militar) um caminho onde se podiam colocar algumas peças de fogo. O resto da artilharia dispunha‐se nas plataformas dos bastiões redondos, nos ângulos do quadrilátero.
A configuração da instalação francesa terá sido repercutida na imagem da fortificação portuguesa quando esta foi objeto de reparações importantes no século XIX. No século XX, as coberturas de colmo acabaram por ser substituídas por chapas de zinco onduladas. Nos anos 30, construiu‐se uma moradia para o representante português e sua família (provavelmente com projeto de origem francesa), marcada por linhas modernizantes de uma arquitetura urbana europeia da época. Recentemente, a Fundação Calouste Gulbenkian realizou obras de reabilitação, que ficaram concluídas em 1995. Posteriormente, as autoridades locais instalaram no interior o Museu de História de Ajudá.
No interior, em frente à porta principal, situava‐se a Igreja de São João Batista. A casa da pólvora, redonda, ficava no centro da fortificação. A casa do diretor, as casas dos oficiais e os armazéns constituíam a principal estrutura edificada. Os negociantes estrangeiros que atuavam em Ajudá pagavam dízimo a Portugal, que exercia o monopólio de comércio. O rei de Daomé, por sua vez, tinha um representante no estabelecimento português, e recebia uma tença anual de 400.000 réis.
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