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domingo, 24 de março de 2024

A Fortaleza de São João Baptista de Ajudá.

 

Enquadramento Histórico e Urbanismo

A colonização portuguesa da frente atlântica marroquina, iniciada pelos anos 60 do século XV, a que podemos chamar "Ciclo do Golfo da Guiné", trouxe largos proveitos à coroa mesmo antes do começo da governação do rei D. Manuel. Culminou com a centralização do tráfego das riquezas obtidas no recém‐construído Castelo da Mina (atual Gana), em 1482, por Diogo de Azambuja, o mesmo governador que fundaria depois a Safim portuguesa e Aguz, na soberania territorial de Marraquexe. Rafael Moreira aponta, em poucas palavras, a maneira como se articulava com outros centros desde essa época até ao fim do século XVII: "Na costa da Mina projecta‐se uma cadeia de bases: uma fortaleza na ‘Aldeia de Portugal’ do cabo das Palmas, que o rei ainda insistia que se fizesse em seu testamento; os fortes de Achem (só feito em 1503), Xamã e Acra (no actual Gana), em redor da cidade de São Jorge da Mina; e a feitoria de Ugató, na costa de Benim (que em finais do século XVII daria lugar ao entreposto fortificado de São João Baptista de Ajudá), a fim de comerciar com o reino de Daomé".
Os primeiros portugueses chegados às costas do grande golfo africano fizeram‐no às ordens de Fernão Gomes, um mercador de novo tipo que garantia o descobrimento para o rei de cem léguas de costa por ano, enquanto explorava as suas riquezas, em contrapartida do monopólio do "resgate e trauto" da Guiné. Ao fim dos seis anos da validade do contrato (1468‐1474), os portugueses conheceram uma extensão de mais de 3.000 quilómetros da frente marítima até ao Cabo de Santa Catarina, até onde chegavam os reinos do Congo, abaixo do paralelo da Ilha de Ano Bom (descoberta em 1473), com as outras ilhas entretanto visitadas, em 1472 (Fernando Pó, Príncipe e São Tomé). Foi, pois, sob o comando negocial de Fernão Gomes, exercendo a nova arte da economia, que navegadores como João de Santarém, Pêro de Escobar, Fernão de Pó, Lopo Gonçalves e outros prolongaram a fase henriquina dos descobrimentos portugueses, chegando assim ao domínio dos tratos da Costa do Benim. Em confirmação do sucesso obtido, D. João II concedeu a Fernão Gomes brasão de armas, verdadeiro testemunho de uma identificação nobiliárquica de novo género, "où s’exprime l’euphorie de l’or: d’argent à trois têtes de nègres de sable, posées de front, chacune avec collier, boucles d’oreilles et de narines, le tout d’or" (Bramcamp Freire, Armaria Portuguesa, p. 330, cit. por Ballong‐Wen‐Mewuda, 1993, p. 51). O nome que adotou o novo titulado, Fernão Gomes da Mina, exprimia a mentalidade que dava expressão à nova ordem económica europeia.
Segundo Luís Silveira, o forte terá sido "ocupado pelos Negros em 1837, dado o abandono em que o deixámos, porque perdera a importância que lhe vinha do tráfico de escravos para o Brasil. Mas em 1844 Sá da Bandeira promoveu a sua reocupação. Porém, nos fins do século XVIII ainda mantínhamos relações estreitas com o Daomé, porquanto se regista a viagem, em 1796, do baiano Vicente Ferreira Pires, como embaixador neste país".
Com a primeira visita dos referidos navegadores, por volta de 1471, o porto de Ouidah (Ajudá) no território de Daomé (atual Benim), começou a ser frequentado pelos portugueses, que instalaram uma primeira feitoria cerca de 1490. Foi abandonada em 1520, mas construíram outras. Até à primeira metade do século XVII, esta zona da costa africana foi considerada sem grande interesse comercial, porque aí não se encontravam ouro, especiarias nem marfim. No entanto, com a descoberta nas Américas das minas de metais preciosos e o desenvolvimento de grandes plantações, esta costa adquiriu enorme importância como mercado de escravos. Assim surgiram e prosperaram as cidades portuárias de Ajudá, Grand‐Popo, Agoué, Godomaey e Porto‐Novo. Ouidah (Ajudá), simples aldeia no início do tráfico, tornou‐se uma cidade florescente graças à utilização do seu porto como principal porto negreiro da costa do Benim. A situação portuguesa no Golfo da Guiné havia‐se agravado a partir da década de 1630, com as investidas holandesas contra São Jorge da Mina, em 1637, Luanda e São Tomé, em 1641.
A decisão de os portugueses se radicarem em Ajudá tinha por objetivo substituir, no comércio do ouro e dos escravos, os muitos pontos que haviam sido perdidos nesta costa da Guiné. Data de 1680 a primeira iniciativa de construir um forte em Ajudá, quando D. Pedro II encarregou dessa tarefa o capitão‐general de São Tomé e Príncipe, Bernardim Freire de Andrade. Todavia, o Forte de São João Batista de Ajudá só viria a concretizar‐se em 1720‐1721, por ação do capitão‐de‐mar‐e‐guerra José de Torres, que conseguiu que, por motivos diferentes, o rei de Ajudá, o vice‐rei do Brasil, na Bahia, e o rei de Portugal se interessassem na sua construção. Desde o final do século XVIII que o comércio do óleo de palma foi substituindo o tráfico negreiro, assistindo‐se à emergência de uma burguesia local de negociantes africanos e afro‐brasileiros. No princípio do século XIX, com a abolição do tráfico de escravos, a importância da feitoria diminuiu, retirando‐se a guarnição militar lusa e ficando a feitoria a cargo do último escrivão do almoxarifado, Francisco Félix de Sousa, de origem brasileira, o qual, com os seus descendentes, a explorou até 1850, sendo depois reocupada por forças portuguesas.
O forte português construído pelo capitão José de Torres teve início em 21.11.1720, num local elevado, a oeste da povoação de Ouidah. Era feito de barro amassado e terra batida, com cerca de cento e sessenta metros de comprimento, cento e vinte e oito de largura e metro e meio de espessura, e um fosso com cerca de quatro metros a toda à volta, com uma ponte levadiça. Segundo um documento intitulado Memória da Fortaleza Cesárea e publicado por Anacoreta Correia, era uma fortificação (redonda e cercada por muralha quadrangular) "em sitio eminente com capacidade de 16 peças de artilharia", desde logo provida com "8 das melhores do seu navio com polvora, ballas catanas armas de fogo granadas, e os mais petrechos necessarios para a defença". O mesmo documento acrescenta que o capitão "dentro dos muros fez casa para o cabo, quartel para os soldados com cozinha separada". E ainda que "dedicou esta fortaleza à protecção de Nossa Senhora do Livramento, e lhe deu o nome de Cesarea, em obsequio do Vice‐Rei, Vasco Fernandes César". Um pouco antes começara outra obra, a saber, "a casa da feitoria com 45 braças de comprido e 40 de largo em que trabalhão mais de 500 pessoas 30 dias effectivos. Esta casa, acrescenta, tem maior capacidade que a dos outros estrangeiros". Além disso, construiu noutro local uma feitoria dedicada a Nossa Senhora do Carmo.
Todavia, o forte construído em 1721 nada terá a ver (quiçá sequer a localização) com o monumento que hoje existe. Aquele situava‐se na aldeia de Grégre, numa pequena eminência no caminho para a praia, e era dedicado a Nossa Senhora do Livramento; este, no porto de Ajudá, com a invocação de São João Batista. Existe iconografia de ambos os recintos, na qual se pode verificar o aspecto redondo da obra de defesa principal, o que parece relacionar‐se com o Forte de São Marcelo, na Bahia, e a expressiva imagem que representa a sua presença frente à cidade brasileira. O Castelo ou Forte de São João, no porto de Ajudá, menciona‐se já num documento de 1757. Outro documento, datado de 1759, de autoria do baiano José António Caldas, "sargento‐mor de infantaria com exercício de engenheiro", membro da Academia Brasileira dos Renascidos, mostra já outro desenho, com pequenos baluartes pontiagudos nos cantos.
As alterações à construção setecentista podem ser verificadas numa planta de 1876, da autoria do tenente da marinha Carlos Eugénio Corrêa da Silva, intitulada Planta do Forte Portuguez de S. João Baptista d’Ajudá, e reproduzida por Luís Silveira. Através da respectiva legenda ficamos a saber que a altura das muralhas era de dois metros e trinta, e a dos baluartes redondos, até ao parapeito, três metros e meio. O baluarte de noroeste, à esquerda em relação à entrada, diz o mesmo documento, foi derrocado pelos missionários e substituído por uma casa que serve de cozinha. Quanto ao bastião redondo nordeste, estava completamente destruído e sem parapeito, tendo igualmente havido mexidas no pano de muralha entre os dois baluartes, para dar lugar a uns arranjos de compartimentos ao longo do muro. Circundando todo o perímetro, dispunha‐se um valado fazendo as vezes de fosso seco, deixando no sopé dos muros (por questão de estabilidade, mas talvez também para uso militar) um caminho onde se podiam colocar algumas peças de fogo. O resto da artilharia dispunha‐se nas plataformas dos bastiões redondos, nos ângulos do quadrilátero.
A configuração da instalação francesa terá sido repercutida na imagem da fortificação portuguesa quando esta foi objeto de reparações importantes no século XIX. No século XX, as coberturas de colmo acabaram por ser substituídas por chapas de zinco onduladas. Nos anos 30, construiu‐se uma moradia para o representante português e sua família (provavelmente com projeto de origem francesa), marcada por linhas modernizantes de uma arquitetura urbana europeia da época. Recentemente, a Fundação Calouste Gulbenkian realizou obras de reabilitação, que ficaram concluídas em 1995. Posteriormente, as autoridades locais instalaram no interior o Museu de História de Ajudá.
No interior, em frente à porta principal, situava‐se a Igreja de São João Batista. A casa da pólvora, redonda, ficava no centro da fortificação. A casa do diretor, as casas dos oficiais e os armazéns constituíam a principal estrutura edificada. Os negociantes estrangeiros que atuavam em Ajudá pagavam dízimo a Portugal, que exercia o monopólio de comércio. O rei de Daomé, por sua vez, tinha um representante no estabelecimento português, e recebia uma tença anual de 400.000 réis.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Gbessem, o Espírito da Vida.




Os Huedas eram oriundos de Ayó (Oyó) eram ayonus, portanto um 

povo de origem iorubá e em êxodo chegaram ao Vale do Uemê, 

território Mahi, até a cidade de Tado,  quando imigraram rumo ao sul. 

Enfrentaram muitos problemas devido ao grande número de 

imigrantes nas áreas, muitas vezes deficientes, em que se 

instalaram, então uma pequena parte deles prosseguiu na rota sul 

pela margem do Rio Mono chegando à Agonmeseva.


Sob a liderança de um príncipe de Tado denominado Ahoho, 

eles chegaram à Região de Guezin e rumaram para Huetokpa 

em Savi, Uidá, onde se deu início ao que seria o futuro reino e que 

mais tarde esse reino passa a fazer parte das conquistas do Rei 

Agajá como uma possibilidade de expansão para a costa marítima, 

sem ter que pagar tributos ao reino vizinho.

Por todo o trajeto migratório, os Huedas por onde passavam e onde 

se estabeleciam de forma provisória para descansar e conhecer 

melhor a terra, propagavam o culto sagrado ao vodum Dan 

Aydohwedo, a serpente sagrada, denominada Gbé (Gbè) pelos 

mahis, e que significa vida (Gbesen- espírito da vida- Gbessem).

Os mahis denominaram a árvore sagrada de Gbessem 

(Newboldia laevis) por Ahoho, fazendo alusão ao príncipe.


Uma lenda conta que a serpente sagrada veio do céu para a 

Terra enviada por Mahu (a deusa suprema) para proteger a todos 

os voduns nagôs, e também dar a sua benção e proteção aos seus 

filhos.

O culto a Gbé em Abomey foi estabelecido na floresta sagrada de 

Gbé, o Gbezum (Gbèzun), local onde dizem que o vodum, 

em certa ocasião, apareceu para um homem chamado "Ja" 

-a palavra Ja significa "ver, enxergar"-, quando ele caminhava 

pela floresta, mas não apareceu de imediato, ele ouviu alguém 

cantar uma canção olhou, olhou e não viu ninguém, ficou 

muito assustado, então, foi embora. 

Preocupado com o acontecido decidiu retornar ao local para 

procurar quem cantava, e a musica continuou, só que o ritmo 

agora estava mais acelerado, mas Ja nada via… Não havia 

ninguém ali, a não ser ele mesmo! Resolveu procurar um sacerdote 

do Fá (um bokonon, um adivinho) e se foi… O adivinho consultado 

lhe disse  que a música que ele ouviu estava sendo cantada pelo 

vodum Gbé, um vodum que teria vindo de Jaluma para habitar 

naquela floresta.


No dia seguinte, obviamente para cumprir algum preceito sagrado 

da adivinhação, determinado pelo bokonon, Ja penetrou na 

floresta pela manhã, bem cedo, e  pode ver quem entoava aquele 

cântico: uma grande serpente com duas cristas vermelhas na 

cabeça que estava toda enrolada em uma árvore, era o vodum Gbè.

Por essa razão até hoje Ja carrega o presente para Gbessem 

nos terreiros de Candomblé Jeje Mahi quando é realizado o "boitá" 

(Gbo-etá, que significa carregar sobre a cabeça), essa lenda 

justifica também a razão pela qual as árvores consagradas ao 

vodun Gun são genericamente denominadas Jassu, pertencem a 

Gun Ja (Ogum Já), assim como o vermelho das cristas da cabeça 

de Gbé é a cor de Ogum entre os nagôs, o povo protegido por Gbé.

 

 

 Uma cantiga muito entoada nos candomblés de Jeje Mahi lembra:


Ja, Ahoho kpekpele,

Ja, Ahoho kpekpele

Kpekpele! Gunja nde

Aholu Gbesen nde

Kpekpele! Gunja nde,

Aholu Gbesen nde.


Veja tem pato no Ahoho

Veja tem pato no Ahoho

Pato! Ogunjá está chamando,

Chamando o Príncipe Gbesen.

Pato! Ogunjá está chamando,

Chamando o Príncipe Gbesen.

 

Obs kpekpele (pepelé) vem do iorubá kpekpeye. 

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Vídeo:Prof Dr David Koffi Aza da Aunor

Dã Kó (cantiga)